sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Ramisco de 1992


..............Diz-se que o ramisco, essa casta fugidia e quase extinta da região vinícola de Colares, teria tido a sua origem em cepas importadas da região de Mèdoc, em França, no Sec. XIII pelo rei Afonso III. Pode ser uma lenda mas as semelhanças com esses vinhos gauleses são evidentes.
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O ramisco é cultivado exclusivamente em terrenos paupérrimos de areia, surgindo as primeiras vinhas na aldeia de Fontanelas e estendendo-se por uma escassa dezena de quilómetros, por Janas, Azenhas do Mar, Praia das Maçãs, Mucifal, Colares, Praia Grande, Almoçageme, ficando as últimas nas aldeias de Biscaia e Azóia, a Norte do Cabo da Roca.
Nesta pequeníssima região produzem-se actualmente escassos 7.500 litros por ano, disputados e a diminuir. Existem na região lendas que muitos asseveram ser verdade que rezam que as vinhas de ramisco guardam numerosos corpos de viticultores soterrados pela areia traiçoeira quando cavavam buracos que chegavam a ter 10metros de profundidade para achar o "barro" onde o bacelo tinha de ser cravado para que a videira sobrevivesse...... mitos? Talvez...
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Este ramisco de que hoje vos falo, comprei-o a um produtor de Janas em 1992, um favor especial que eu tratei de engarrafar e que fui bebendo ao longo dos anos, devagar, pois não é fácil arranjar companhia para este estranho vinho cheio de taninos e de adstringências, parece sempre a pedir que o deixem mais um aninho na garrafa, e foi ficando, primeiro de propósito, depois esquecido.
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Apareceram lá na fila de trás da minha garafeira, das sete garrafas duas tinham o lacre partido e a rolha irremediavelmente estragada; das outras cinco ainda lacradas não me pareceu que pudessem ter sobrevivido 17 anos sem cuidados, sem mudar rolha, nada.
Ficaram para abrir quando calhasse, descargo de consciência antes de deitar fora.
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Aconteceu neste fim-de-semana, inesperado e sem intenção, como inesperadas e sem intenção costumam ser as experiências iniciáticas, dizem. Fui buscar uma garrafa vulgar para um almoço vulgar, no monte, a dois, eu e a Maria José. - Vamos ver como está o ramisco? - e lá trouxe uma das cinco e mais uma de Pegões Reserva, à cautela, que a fé no ramisco era menos que nenhuma.
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E foi o deslumbramento! Primeiro no nariz, depois no palato, o que se seguiu foi emoção pura e indescritível e que não tentarei descrever, para a não menorizar. A cor fechada de há 17 anos, deu lugar a um âmbar que tentei aprisionar nesta foto
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e o sabor a revelar que afinal, há razões, às vezes, que podem bem explicar como se pode ter a ideia que vinho seja o sangue de uma qualquer divindade...

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