quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Beringelas Clandestinas

                Num bairro antigo, muito antigo, de Lisboa, paredes meias com o fado, existe um restaurante clandestino.
Neste restaurante, que funciona numa casa de família chinesa, só se fala chinês, os clientes são, na esmagadora maioria pertencentes à comunidade chinesa em Lisboa e, come-se a verdadeira comida dos chineses que, a propósito, é algo de tão diferente daquilo que nos habituámos a conhecer nos restaurantes “chineses” para ocidental consumir, como diferentes podem ser as cozinhas mexicana e transmontana.
Aos não-chineses que, como eu, se aventuram neste espaço a todos os títulos estranho e surpreendente, é fornecida uma lista onde pouco do que se decifra tem a esperada correspondência e onde aos tomates anunciados frente ao 57, correspondem afinal umas beringelas extraordinárias; tão extraordinárias que foram as responsáveis pela transformação que em mim se deu em relação a este fruto que passei a vida a detestar e que, obra do clandestino, agora adoro.
Para esta 108ª Trilogia com o Amândio e a Ana, precisamente com o tema “beringela”, nada melhor que este delicioso prato, o 57 do clandestino!

Ingredientes:

Beringela
Polpa de tomate
Pimento vermelho
Alhos
Pimenta
Pasta de piri-piri
Tomate desidratado
Sal
Óleo de sésamo

Preparação:

Descasque e parta a beringela em palitos finos e longitudinais.
Mergulhe-os em água por alguns minutos.
Refogue em óleo de sésamo (ou óleo alimentar) tiras de pimento vermelho, alhos, polpa de tomate,  pimenta e piri-piri a gosto.
Junte a beringela e tomate desidratado triturado,
salpique de sal, e deixe fritar mexendo sempre até ver que beringela começa a ficar translúcida, o que deve acontecer muito rapidamente, para que não amoleça.
Sirva logo com arroz cozido.
  

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Cultivar Poejos



                      Se é verdade que já não é impossível obter poejos frescos numa cidade, como acontecia ainda há bem poucos anos, não deixa de ser ainda, muitas vezes, tarefa árdua, com os escaparates a oferecerem salsa, coentros e hortelã, às vezes outras ervas mais raras, em corte ou em vaso, mas o poejo a faltar as mais das vezes.
Felizmente, o poejo é das mentas mais fáceis de propagar e cultivar em vaso, em qualquer janela de apartamento ou varanda e um vaso desta maravilhosa erva é suficiente para ter sempre ( de Outubro a Maio)  poejo disponível com o máximo do seu aroma e depois as hastes florais para usar nos meses quentes e para secar. Como é uma perene, apenas terá de esperar pelo Outono seguinte para voltar a ter poejos frescos.

Como fazer:

O poejo necessita apenas de um lugar que tenha uma exposição média à luz solar, aguentando bem situações de bastante sombra, ao contrário das outras mentas, exigentes quanto a luz.
Precisa portanto de um lugar com estas características, uma varanda, um beiral de janela, etc., de um vaso e de uma mistura de terra de jardim, dessa que se vende em sacos, misturada com uma terra de areia, na proporção de duas partes de terra para uma parte de areia. Estrume ou húmus de minhoca (vende-se em sacos nas floristas e casas de plantas) ajuda a uma boa produção.
A propagação do poejo faz-se por estaca, aproveitando o facto desta planta, naturalmente, emitir raízes ao longo dos caules. 
Mesmo nos raminhos de poejo que se compram, é vulgar trazerem estas raízes brancas e são estes os caules que vai utilizar como estaca, dispondo-os horizontalmente na superfície da terra, apenas as raízes dentro desta.
Noutras situações em que o caule favoreça mais essa disposição, poderá também enterrá-los na terra deixando de fora um ou dois nós com folhas.
Não lhe falte com água durante os primeiros dias e começará logo a ver as novas plantas a formar-se, não tardando a ter o seu vaso de poejo pronto para colher quando necessário, à tesoura, para não danificar as raízes e continuar sempre a produzir.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Obrigado, meio milhão de vezes!

       Esta madrugada, enquanto eu dormia, um dos leitores do Outras Comidas foi, sem o saber, o autor do contacto nº 500.000, só no ano 2012!

Estas coisas emocionam-me; talvez que para alguns bloggers, que andam pela casa dos milhões isto não seja significativo, mas para mim, que nunca andei por concursos, passatempos, promoções e eventos, nem sequer tem o Outras Comidas página em rede social, apenas fui partilhando com quem me lia as comidas que ia fazendo, meio milhão de visitas ainda o ano vai em Novembro, é obra! 
Obra vossa, claro, que eu só faço os posts, as visitas vêm desse lado e, quando no início de 2010 eu aqui me maravilhava por ter tido já 100.000 visitantes, estava bem longe de imaginar onde este trabalho/divertimento me iria levar e a responsabilidade que uma audiência assim forçosamente acarreta.

Ao leitor "meio milhão", que nunca saberei quem foi, e aos outros 499.999 que me lêem em Portugal, Brasil, África PALOP, Espanha, Galiza e por esse mundo fora onde há quem leia em português e não se importa que eu não siga o acordo ortográfico, o meu muito vaidoso OBRIGADO.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Piri-piri na Cozinha (Bhut Jolokia)

                   Passa por ser o piri-piri mais “hot” que existe, sendo esta a variedade africana que utilizei para fazer o molho/conserva.
Entendamo-nos: eu até nem sou adepto de grandes ardências, embora adore o sabor e aroma destes  frutos picantes. Isto faz que o uso desta feroz Bhut Jolokia seja um exercício no fio da navalha, achar o equilíbrio entre o picante  que num instante passa de agradável a insuportável, e o seu aroma forte e inconfundível.
Claro que também uso e conservo os muitos piri-piris, não tão agressivos como os Jolokia e que crescem todos os anos nos meus vasos 
e estão agora na altura de colher.
Para desfrutar do sabor e aroma de qualquer destes pequenos capsicum, é sempre melhor utilizar o fruto ainda fresco, quando está verde ou vermelho e sumarento, já que a secagem aumenta a vertente picante e diminui o sabor frutado.
Existem muitas maneiras de extrair para a forma líquida as suas propriedades, já que o uso do fruto inteiro na cozinha é mal doseável, sendo as mais conhecidas a extracção através de óleos ou azeite, de bebidas alcoólicas fortes e a conserva do fruto moído fresco.
A extracção através de gorduras dá principal relevo ao picante, que é prontamente solúvel em gordura mas é pobre na extracção dos sabor e aroma, tendo ainda problemas insolúveis no que respeita à rancidão da gordura na conservação a longo prazo.
A extracção através de bebidas alcoólicas fortes é muito satisfatória quer no aspecto picante, quer no sabor, usando-se frequentemente as aguardentes brancas (bagaço) e o whisky, que misturam o seu sabor com o fruto no produto final, ou a vodka, que tem sabor neutro. Faz-se introduzindo na bebida os frutos, verdes ou secos, com ou sem sementes consoante o grau de picante desejado e deixando a macerar por algumas semanas, conservando-se indefinidamente e sendo muito bom para aplicação no prato.
Para quem, como eu, dá a sua preferência ao sabor e aroma e uso principalmente o piri-piri durante a confecção do prato, não há como a conserva do fruto inteiro (ou sem sementes), moído, em que toda a exuberância do fruto é preservada e transmitida depois aos nossos pratos, sendo a forma ideal para um fácil doseamento ao cozinhar.

Ingredientes:

Piri-piri frescos, com ou sem sementes
7 partes de água
1,5 partes de álcool alimentar
1 parte de vinagre
0,5 partes de óleo alimentar
Sal

Preparação:

Use luvas descartáveis para manusear os frutos de piri-piri, evitando assim acidentes ao levar depois os dedos aos olhos, nariz, etc.
Parta os frutos para um recipiente e, 
se quiser fazer uma conserva menos picante, retire total ou parcialmente as sementes.
Leve a água misturada com o vinagre ao lume e sature-a de sal, ou seja, dissolva sal grosso na água/vinagre a ferver até que não dissolva mais.
Regue o piri-piri cortado com esta solução a ferver, de modo a que os pedaços não fiquem totalmente cobertos e deixe arrefecer.
Junte o óleo e passe tudo com uma varinha até estar liso, 
junte por fim o álcool, agite e enfrasque.
Como não há dois piri-piris iguais, até da mesma variedade, basta ter havido diferentes condições no cultivo para saírem de potência diferente, deverá titular o seu, o que fará pelo método da tentativa e erro; comece com apenas umas gotas, vá aumentando e provando até perceber a quantidade certa por pessoa, ou por panela de comida, enfim, como quiser. 
Rotule, dentro de um ano ou dois, terá ainda a sua conserva e talvez já não se lembre. 

Nota: Se quiser ter a certeza que poderá ter estas conservas feitas durante muitos anos, à temperatura ambiente, poderá juntar ainda por cada meio litro de conserva uma colher de café de ácido cítrico, para reforçar o efeito conservante dos outros ingredientes.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cenouras Mouriscas ( Zanahorias mourunas)


                       Entrada omnipresente nas cozinhas marroquina e andaluza, estas cenouras desconcertantes na sua simplicidade são uma delícia  que convence até os pouco apreciadores desta raiz, como eu. A cenoura é, para mim, um daqueles vegetais que, como a couve-flor ou a beringela, têm pontos de cocção tão precisos e, por vezes, técnicas tão apuradas para obtê-los (ou falhá-los), que me fazem, na maior parte das vezes, rejeitar a ideia de incluí-los nos meus pratos, por pura preguiça. Em geral, a cenoura é, na minha cozinha, assunto para sopa ou um ou outro prato rápido, tipo wok oriental, no cozido à portuguesa porque tem de ser, e pronto.
Foi durante a preparação do que viria a ser a Tajine de Bacalhau com Cominhos que apresentei na passada 103ª Trilogia, que me deparei no El País com um artigo do incontornável Mikel López Iturriaga, no El Comidista, sobre estas Zanahorias mourunas, que eu tantas vezes tinha comido por terras de Marrocos mas que nunca me tinha detido sobre a sua feitura.
Depressa me convenci que aquela era a receita-chave para esta entrada, que muitas vezes aparece “enfeitada” com um sem-número de acompanhantes, tâmaras, passas, pimentos, que em vez de a enriquecerem, a atolam numa miríade de sabores, doçuras e temperos que afogam aquilo que estas Cenouras Mouriscas, essencialmente, são: um hino à simplicidade de sabor e à precisão na confecção.
Segui as indicações de Iturriaga, com duas pequenas alterações que introduzi no processo, que facilitaram o resultado sem mexer no essencial; a Iturriaga, como à maioria dos gastrónomos, falta por vezes essa componente de prática culinária que eu  juntei e ficou assim completo e perfeito este prato, Cenouras Mouriscas, que cumprirá a 107ª Trilogia com a Ana e o Amândio, com tema “cenouras”.

Ingredientes:

500g de cenouras
1-2 dentes de alho
1 colher de chá de cominhos em grão
Sal e pimenta preta moída na altura
2 colheres de sopa de vinagre de Jerez (usei vinagre de malte)
4 colheres de sopa de azeite
Salsa picada

Preparação:

Escolha cenouras pouco grossas e o mais cilíndricas possível. Pele-as e corte-as em rodelas que fiquem com uma forma compacta, isto é, em que o diâmetro da rodela seja aproximadamente igual à sua altura.
Cubra as rodelas com água fria, salgue e leve-as ao lume baixo, de modo a que a rodela tenha tempo de aquecer a parte exterior ao mesmo tempo que a interior e que o cozimento se processe assim por igual.
Consoante o tamanho dos pedaços de cenoura, assim o tempo que levará até que se atinja o ponto exacto de cozimento, o ponto em que a cenoura já perdeu todo o sabor a cru mas está ainda firme. Este ponto só se pode determinar provando ou espetando com um palito, amiúde e, mal seja atingido, devem ser imediatamente escorridas e postas a arrefecer.
Aqueça os cominhos numa frigideira, a seco,
até sentir que começam a libertar o seu odor característico e desfaça-os no almofariz, juntamente com sal grosso, pimenta preta, os alhos e o vinagre.
Se não tiver vinagre de Jerez, que é um vinagre frutado e fraco, use vinagre de malte ou vinagre de cidra ligeiramente diluído.
Quando tudo estiver bem desfeito, comece a adicionar lentamente o azeite, mexendo sempre energicamente com o pilão do almofariz, de modo a formar uma emulsão com a consistência de um creme.
Envolva os troços de cenoura nesta emulsão e deixe por umas horas, melhor para o dia seguinte.
No momento de servir a entrada, ou aperitivo, passe um fio de azeite, outro de vinagre, salpique com salsa finamente picada e envolva tudo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Açorda de Poejos com Ovos (Poejada)



                       Quem leu o que aqui escrevi sobre o licor de poejos, percebeu por certo o modo como quase venero esta menta extraordinária, que há muito me seduziu com os seus aromas mágicos, frutados e pungentes, que tanto é generosa nas suas propriedades medicinais, como se presta a fabulosos licores, como ainda parece feita de propósito para aromatizar pratos e sopas de peixe, é indispensável para a confecção do chá de menta magrebino e faz diversas sopas e açordas, umas de bacalhau, outras de toucinho, outras com ovos, todas a chamarem-se “poejadas” por esse Alentejo fora.
A poejada que hoje aqui vos deixo é a menos conhecida e mais singela, sopa pobre entre as sopas pobres, mas que tem esse encanto especial dos sabores simples, telúricos, das coisas únicas e ancestrais, que se comem com o recolhimento próprio dessas experiências que nos tolhem e assombram, as vastidões poderosas das planícies quietas ou do mar revolto: a açorda de poejos com ovos.

Ingredientes:

Poejos frescos
Alhos
Sal e pimenta
Azeite
Pão alentejano, duro
Ovos

Preparação (2-3 pessoas):

Esmague no almofariz, um ramo grande de poejos 
com sal grosso e dois ou três dentes de alho. 
Se quiser a versão mais despachada, ponha tudo no copo liquefactor com um pouco de água e moa.
Vaze estes ingredientes moídos 
numa panela onde estão cerca de dois litros de água fervente, prove  e rectifique sal, e deixe ferver durante dois ou três minutos.
Escalfe à parte dois ovos por pessoa neste caldo, devendo a clara ficar bem cozida e a gema ainda cremosa.
Corte o pão para uma tigela grande ou terrina, regue com azeite, 
ponha-lhe os ovos em cima e regue tudo com o caldo a ferver.
 Sirva esta delícia, bem quente.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Licor de Poejo Verde



                   Se aos crentes são permitidos tantos gozos através das verdades miraculosas, já aos que, como eu, são mais incréus, resta-nos as viagens pelos “milagres” naturais, de entre os quais avultam, pela sua maravilha sedutora, invisível e impalpável, a dos incríveis odores de certas plantas.
De entre a infinita variedade de mentas, o humilde poejo (mentha pulegium) é, para mim, a que talvez mais incarna esse estatuto de aroma-milagre.
Esta planta de aroma ao mesmo tempo suave e pungente, que nos habituámos a usar de tantas maneiras, nas sopas, nos peixes, em infusões digestivas, no “chá de menta” do Norte de África, tem ainda a particularidade de mudar o seu aroma conforme o estádio de desenvolvimento em que é usada, fresca, seca, as folhas, as hastes floridas, só as flores, cada um com o seu aroma e qualidades, todos magníficos.
O Alentejo é a terra do poejo e foi lá, naturalmente, que nasceu o licor que leva o seu nome, sendo famoso o que se fez durante muitos anos em Montemor-o-Novo. Hoje é uma sombra do que foi e, francamente, nem merece menção a não ser pela glória passada, mas serve de mote a este licor que aqui vos deixo e que recomendo, agora que o poejo está a despontar, veemente, por esses campos fora, como que a pedir para ser apanhado.

Ingredientes:

Poejos frescos, bem verdes
Álcool* a (pelo menos) 90º
Açúcar
Água de Luso

Preparação:

Existem muitas maneiras de fazer licores, em geral, e também  licor de poejo, a começar pela grande divisão de todos os licores, os que são feitos por destilação e os que são feitos por infusão fria em álcool. Estando a destilação fora do âmbito caseiro, vamos debruçar-nos sobre o licor de poejo feito por infusão alcoólica (alcoolato).
A maioria dos licores de poejo são feitos com a planta seca, flores ou as hastes floridas completas, pelo que podem ser infundidos em aguardente ou álcool a 60º, como todos os licores feitos  a partir de planta seca.
Neste caso, queria aprisionar neste licor toda a fragrância do poejo fresco, juntamente com a clorofila para que ficasse de um verde de esmeralda, o que implica cuidados especiais na sua feitura, dada a sensibilidade da clorofila ao calor e à oxidação.
Para se conseguir um grau alcoólico final aceitável para a conservação de licores feitos a partir de frescos, deve-se empregar álcool com pelo menos 90º, melhor se se dispuser a 99º.
Pese as folhas de poejo fresco e cubra-as com o dobro do peso de álcool a 90-99º. 
Tape o frasco  e deixe por três dias.
Ao fim deste tempo as folhas estão descoradas e o álcool tomou uma cor verde profunda. O alcoolato está pronto.
Filtre.
Com um determinado peso de açúcar e metade desse peso em Água de Luso, faça um ponto de pasta e deixe arrefecer por completo.
Junte ao alcoolato filtrado o mesmo volume de calda e volte a filtrar.
O resultado é este incrível licor esmeraldino com sabor e aroma intensos de poejo fresco e que está pronto para consumir três a quatro dias depois.
Dada a sensibilidade da clorofila, mantenha este licor abrigado da luz.

Nota: * Trata-se, obrigatoriamente, de álcool de qualidade alimentar, nunca álcool sanitário, que é tóxico. Se não dispuser de álcool alimentar e quiser usar aguardentes ou vodka, terá de fazer o licor a partir de poejo seco, que fica amarelo e a infusão deve ser feita, não por três dias mas por três semanas. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sopa de Pescoço de Peru

                    Quando a Ana indicou como tema para esta 106ª Trilogia o tema “peru”, estava por certo longe de imaginar que me estava a colocar o mais difícil desafio de todos os que as Trilogias já colocaram. Não sei como se desenvencilhou o Amândio, em cujos mais de cinco anos de Garficopo nunca publicou uma linha sobre peru; comigo o amor a esta ave também pode ser aferido por se resumir aqui a um prato e umas menções, tudo em ambiente natalício.
Na verdade, isso não quer dizer que deteste ou até que nunca coma, só que acontece assim em pratos despachados, fast-food caseiro que, por norma, não acho publicável.
Desta dificuldade nasceu o engenho, depois de ter rejeitado, por indecente, a solução fácil que seria fazer uma receita peruana. Se ia cozinhar peru, então não seria com o árido peito, que a tudo se presta sem chegar a brilhar em nada, nem a corriqueira perna. Iria usar a parte do peru que, como em todos os bichos, possui a carne mais saborosa e texturada, o cachaço, que nas aves se chama pescoço e faria com ele uma sopa, essa espécie culinária tão pessoal, que se compõe por inspiração e  onde todos somos criadores e inimitáveis.

Ingredientes:

Pescoço de peru
Vinagre
Banha
Cenouras
Alho porro (partes verde e branca)
Cebola
Salsa
Pimenta em grão
Sal
Manteiga
Óleo alimentar
Farinha
Couve coração (parte branca)
Feijão manteiga cozido
Hortelã

Preparação:

O pescoço de um desses perus com dezenas de quilos é uma peça impressionante e muito barata,  que faz lembrar imediatamente um rabo de boi e foi inspirado nessa famosa sopa inglesa e suas inúmeras variantes que se avançou pela composição desta.
Comece por partir o pescoço em vários pedaços, procurando os espaços entre as vértebras para evitar a produção de esquírolas. Deixe os pedaços cobertos por água, na qual misturou algumas colheres de sopa de vinagre, durante quatro ou mais horas, de modo a que saia muito do sangue que contém.
Seque os pedaços, salgue-os durante uma hora e leve-os a corar numa frigideira com banha bem quente, até ganharem cor por todos os lados.
Rejeite a banha e leve os pedaços de pescoço ao lume, cobertos de água e acompanhados de cebola, cenoura, alho porro, salsa e grãos de pimenta.
Deixe ferver em lume baixo por cerca de duas horas, que é o tempo necessário para que a carne se solte das vértebras com facilidade e os sabores do osso, nervos, etc. sejam extraídos completamente. Retire a carne, passe o caldo pelo chinês e reserve-o; se quiser, pode aproveitar os vegetais cozidos para fazer outra sopa. Retire a carne dos ossos e reserve-a.
Faça um roux escuro com farinha, manteiga e óleo alimentar,
junte caldo de forma a formar um aveludado (se necessário passe com a varinha agora).
Introduza então pedaços de folhas brancas de couve coração,
deixe cozer a seu gosto e rectifique o sal, por fim junte alguns feijões cozidos e a carne do pescoço.
Sirva quente sobre uma fatia de pão frito e decore com um raminho aromático fresco, como a hortelã. Claro que uma sopa assim é uma refeição.