quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Da Virgindade do Azeite e Outras Coisas



................... Ou se é virgem, ou não; a virgindade é um valor absoluto, não tem retorno ou meio-termo.
Isto passa-se com as pessoas e também com o azeite, se bem que, com este, as coisas sejam um bocadinho mais complicadas.
Não passaria pela cabeça de ninguém, no seu juízo perfeito, dizer de si ou de outrem que era “muito virgem”, “pouco virgem” , “virgem assim-assim” ou “extra-virgem”.
Apesar disso, é muito frequente verem-se essas mesmas pessoas de que vos falei, a clamarem alegremente por um qualquer azeite “Extra-Virgem”, esquecendo que este extra qualifica o azeite e não a virgindade!
Na verdade, estas e outras peculiaridades, só mostram o quão pouco sabemos desse ouro da terra, óleo de azeitona de que Portugal é um produtor relativamente importante mas de que os portugueses sabem tão pouco.
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O azeite português é único e nem sempre pelas melhores razões. Além de excelentes condições de terra e clima para a sua produção, os portugueses desenvolveram ao longo de séculos aquilo a que se chama o gosto pelo "sabor a tulha”, que é em todo o mundo um defeito que leva a que este azeite seja rejeitado e vá para refinação, mas que aqui, devido a essa idiossincrasia lusitana se aprecia e se chama “sabor a azeite”, não se valorizando o frutado que é o traço distintivo dos grandes azeites do mundo.
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Claro que existem excepções honrosas e azeites de gabarito mundial a serem produzidos em Portugal, Azeites DOP, de Quinta, Monovarietais, alguns até premiados nos melhores certames, mas isso é um universo restrito e caro de azeites que, evidentemente , não são para uso culinário geral nem para fritar batatas e sobre os quais eu não possuo conhecimentos suficientes para que deles possa falar sem dizer disparate certo.
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O hábito miserabilista de esperar até a azeitona já estar quase podre na árvore, para “dar mais” azeite, leva a que, na verdade, a esmagadora maioria do azeite produzido seja impróprio para consumo, o chamado “virgem lampante” que vai imediatamente para refinação e é depois loteado com azeites virgens espanhóis para fazer o azeite refinado que mais se consome em Portugal.
Já a quase totalidade dos azeites Virgem e Virgem Extra que se encontram a preços módicos com marcas portuguesas, são na verdade comprados fora e engarrafados cá (começam agora a aparecer bons azeites virgens portugueses, oriundos das vinhas intensivas que os espanhóis estão a construir no Alentejo, para grande escândalo dos eternos ambientalistas, que não suportam nada que seja economicamente eficaz e, aparentemente, preferem a sua velha paisagenzinha de olivais abandonados e improdutivos).
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Os azeites escolhem-se como os vinhos e, como eles, têm características tão diferentes e marcantes, que se inclui o sabor e as notas de prova como factor determinante para a sua classificação legal, coisa que só acontece com o azeite.
Para muitos a quem não passaria pela cabeça escolher um vinho pela sua graduação, escolhem um azeite pela cor ou pela acidez ou por ser comprado à porta do lagar ( onde se vende muito “azeite” com 7 e 8º, impróprio para consumo mas defeito que o paladar humano não distingue).
Só devemos comprar azeites embalados e rotulados.
Quanto aos 5 parâmetros legais para a avaliação da qualidade, temos a prova, a acidez , as ceras, o índice de peróxidos e as absorvências.
Na prova avaliam-se os defeitos que podem ser ranço, tulha, etc; os índices de peróxidos e as absorvências, expressam o estado do azeite relativamente à oxidação, de que o ranço é o último estádio; o teor de ceras avalia apenas a genuinidade.
Basta que um dos parâmetros seja anormal, para que o azeite tenha que ser sujeito às operações de refinação iguais às de qualquer óleo.
Talvez por hábitos arreigados, os portugueses habituaram-se a apreciar azeites com aroma a tullha – deficiência resultante da falta de higiene nos lagares – e a eleger como critério único de compra o grau de acidez registado na garrafa.
Ora um azeite deve ser escolhido consoante a utilização gastronómica que se lhe queira dar, tendo em conta as especificidades inerentes à sua proveniência regional (aromas e paladares). Assim como um vinho do Douro é diferente de um alentejano, também os azeites destas mesmas regiões se diferenciam, quer na sua estrutura organoléptica quer, em consequência, na sua finalidade culinária.
Embora nesta matéria a subjectividade esteja sempre presente, faz pouco sentido, por exemplo, escolher um azeite de baixa acidez para fritar ou usar um azeite pouco aromático para temperar uma salada de sabores fortes.
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Na hora de escolher um azeite deve-se esquecer:
- Da acidez do azeite pois está não está directamente relacionada com o seu sabor. A acidez está relacionada com o estado fitossanitário das azeitonas, enquanto que o sabor, cor e cheiro do azeite é dado por pequenos compostos chamados compostos menores.
- Da cor do azeite pois esta não está relacionada com a qualidade. Azeites mais verdes são provenientes de azeitonas mais verdes enquanto que azeites mais amarelos são provenientes de azeitonas mais maduras.
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E deve lembrar-se que:
- O azeite inicia processos de deterioração a partir do momento em que é extraído, logo não deverá armazená-lo por períodos muito prolongados de tempo;
- Dentro da ampla gama de Azeites hoje disponível no mercado, deverá eleger o Azeite em função da sua utilização culinária e do seu gosto pessoal, sendo que os tipos disponíveis são:
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Azeite Virgem Extra - Azeite de qualidade superior, com sabor e cheiro intensos a azeitona sã. Não apresenta nenhum defeito organoléptico. Acidez igual ou inferior a 0,8%.
Apto para o consumo directo e ideal para temperar a cru. Os azeites virgem extra de sabor mais suave são ideais para o tempero de saladas e alimentos com sabor mais suave, bem como para a doçaria. Por outro lado, os azeites virgem extra de sabor mais intenso vão melhor com alimentos de sabor mais marcado e poderão ser utilizados para a confecção de alguns molhos.
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Azeite Virgem - Azeite de boa qualidade, com sabor e cheiro a azeitona sã. Acidez igual ou inferior a 2%. Apto para consumo directo e apropriado para assados, sopas, refogados ou marinadas.
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Azeite – contém azeite refinado e azeite virgem - Trata-se de azeite refinado, enriquecido com azeite virgem, aromático e frutado, com grau de acidez igual ou inferior a 1,0%. É ideal para frituras dada a sua elevada resistência às altas temperaturas. É mais barato, mantém o valor nutritivo do azeite e tem um ponto de fumo bastante elevado o que permite aumentar o seu número de utilizações. Além disso, forma uma crosta na superfície dos alimentos, que impede a penetração do Azeite no interior dos mesmos.
Com a utilização do Azeite para a fritura obtêm-se fritos mais secos e apetecíveis.
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domingo, 24 de janeiro de 2010

Arroz de Miúdos

..................................... Quando eu era jovem, o arroz de miúdos era um prato vulgar na ementa das famílias, aquilo a que se chamava um prato de fim-de-mês e que bom que era!
Depois desapareceu e hoje, excepção feita às moelas, que se tornaram petisco substituto dos velhos Pipis, os miúdos são, em geral, encarados como aquele contrapeso que nos impingem com o frango.
De repente percebi que os anos tinham passado e que eu não comia um arroz de miúdos há talvez 35 anos, ou mais! Há pratos assim, de repente passam de moda e esquecem, deve ser assim a morte dos pratos.
A verdade é que eu nunca tinha feito um arroz de miúdos e este que hoje aqui vos trago com a satisfação da descoberta, foi como que uma ressurreição, dos gestos maternos, agora apenas pressentidos e de um sabor antigo e perdido.
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Ingredientes:
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500g de Miúdos de frango
Dedos de 2 ou 3 patas (facultativo)
1 cebola grande
3 dentes de alho
50 ml de Azeite
Sal, Pimenta, Louro e Colorau
Vinagre de vinho
Salsa
75g de Chouriço caseiro
1 chávena de Arroz Carolino
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Preparação:
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Os “miúdos” de um frango são constituídos por, pescoço, moela, fígado, coração, rins e patas, embora as patas possam não ser usadas, pois é um gosto não consensual e os rins raramente estão disponíveis nos miúdos de compra.
Comece por arranjar os miúdos, operação que consiste em lavá-los, partir os pescoços em duas ou três partes, as moelas ao meio ou em três, os fígados (os melhores são os amarelados) em pedaços, depois de verificar se a vesícula biliar foi bem removida e rejeitando as partes que possam ter vestígios de bílis, esverdeadas, o coração é aberto ao meio, ao alto, e lavado dos coágulos de sangue que sempre tem dentro.
Se gosta das patinhas e estas não estão já preparadas, deve escaldá-las ou passá-las pelo lume e retirar toda a película amarela exterior, que se destaca facilmente, deixando a parte branca interior, uma espécie de sub-pele; corte e rejeite as extremidades dos dedos com as unhas e o osso grande, deixando apenas os dedos. Coza os dedos em água e sal durante uma hora, retire-os e junte aos restantes miúdos crus.
Tempere os miúdos arranjados com sal, pimenta, alho, louro, um pouco de colorau e um golpe de vinagre de vinho e deixe a marinar até ao dia seguinte.
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Refogue até alourar a cebola picada, os alhos e a salsa, junte o chouriço às rodelas, deixe-o fritar um pouco para que liberte alguma cor para o azeite e junte as carnes marinadas. Deixe cozer, tapado e em lume brando, por 30 minutos.
Escorra as carnes num passador, de modo a poder medir a quantidade de líquido que se formou durante o estufado. Complete este com água até perfazer 2 chávenas e volte a pôr tudo ao lume. Quando ferver, junte o arroz, tape e deixe em lume mínimo por cerca de 12 minutos, mexendo regularmente para que o líquido fique cremoso.
Assim que o arroz esteja cozido a gosto, junte mais uma chávena de água fria, mexa muito bem para que engrosse, rectifique o sal e sirva logo, sem deixar voltar a ferver, para que não seque e espapace o arroz.
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Nota:
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A versão apresentada, que era a da minha juventude, é também a mais frequentemente descrita nas antigas receitas, isto quanto a ser um arroz malandrinho, pois quanto a ingredientes a variação é imensa (cada mãe, seu arroz), como é usual nestes pratos familiares.
Pessoalmente, gosto também muito do Arroz de Miúdos no Forno, feito em tudo como este mas com menos água ( 1 de arroz para 1,5 de líquido) e que é feito em tabuleiro, no forno, depois de 8 minutos ao lume. Fica solto e gordo.
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domingo, 17 de janeiro de 2010

The Prince and the Pauper (Açorda de Bacalhau e Camarão)

................................Apesar das “1001” maneiras de fazer e comer bacalhau, bem poucas vezes ele se cruza, no prato, com os vizinhos mariscais que com ele compartilham as geladas águas setentrionais.
Durante séculos, bacalhau e marisco pertenceram a universos diferentes e pouco interpenetráveis; o bacalhau era o “fiel amigo” dos pobres, o mais universal dos peixes da alimentação popular, acessível à mais parca das bolsas, enquanto o marisco era apanágio das mesas burguesas e nobres, as classes endinheiradas que podiam pagar o alto preço que o caracterizava.
Ora, como os ricos nunca gostaram cá de misturas com os gostos da plebe indigente e esta, havia de gostar mas não podia, o certo é que são muito raras as vizinhanças culinárias entre camarão e bacalhau.
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Mas tudo muda! Já Camões escrevia “Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” .
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A exemplo do romance de Twain que dá título a este post, hoje, o Príncipe Camarão troca vestes com o Mendigo Bacalhau e, um pouco por todo o lado, vão-se descobrindo e experimentando as potencialidades sápidas da mistura destes dois magníficos ingredientes, agora igualados em preço e acessibilidade. Neste prato que hoje vos trago, uma criação, os camarões grandes de aquacultura (Pingo Doce, +/-8€) foram até mais baratos que o bacalhau.
Esta açorda mista feita com partes iguais de bacalhau e camarão é uma verdadeira jóia de delicadeza, textura e sabor.
Para o seu êxito, é importante e mesmo essencial, respeitar o processo indicado, quanto a sequência de passos, temperaturas e tempos de cocção.
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Ingredientes (2 pessoas):
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3 Carcaças (papo-seco)
1 boa posta de Bacalhau demolhado (+/- 300g)
400g de Camarão cru
2-3 dentes de alho
50ml de Azeite Virgem
Sal e Pimenta
Coentros frescos
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Preparação:
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Ponha a posta de bacalhau num tacho e cubra-a de água temperada com sal. Leve ao lume médio até atingir 90ºC, o que se vê quando a água começa a agitar-se nos bordos, mas sem ferver. Retire a posta e reserve-a.
Introduza então os camarões previamente descongelados e, mal comece a borbulhar junto à parede do tacho, apague o lume, tape e espere 3 a 5 minutos, conforme o tamanho menor ou maior do camarão. Retire-os da água, descasque-os e reserve o miolo.
Parta em pedaços pequenos as cascas e cabeças, com o auxílio de uma faca e ponha os pedaços de novo ao lume na água onde tinham cozido, agora em lume mínimo, com tampa e durante uma hora.
Passe o caldo de cozedura por um passador de rede e, com ele, regue o pão que deve ficar bem encharcado. Se o caldo for insuficiente, use água para acrescentar.
Leve o azeite ao lume baixo e coza nele os alhos, em fatias finas, sem deixar alourar.
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Vaze então sobre este azeite o pão encharcado e mexa ocasionalmente com colher de pau, primeiro com lume forte até levantar fervura,
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depois com lume mínimo durante 40-60 minutos, durante os quais limpa o bacalhau de pele e espinhas e parte em lascas, que reserva.
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A açorda está cozida quando desaparecem todos os vestígios do pão que a originou e toma um aspecto liso, brilhante e translúcido.
Prove e rectifique o sal e pimenta.
Apague o lume e junte os coentros picados, mexa, depois o camarão. Envolva, tape e deixe um minuto a trocar sabor e a baixar a temperatura do creme. Junte então, por fim, o bacalhau, misture e sirva logo.
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Esta sequência final é a chave para a sinfonia de texturas desta açorda. Na verdade, trata-se de jogar com as temperaturas:
O aroma do coentro é extraído a 100ºC, por isso entra na açorda ainda a ferver. O miolo de camarão baixa a temperatura do conjunto para 80-85ªC, conservando-se assim rijo e quase estaladiço e preparando a temperatura para o bacalhau que conserva toda a gordura e untuosidade das lascas.
Este é um prato de uma voluptuosidade invulgar, a pedir para ser saboreado com delongas, com companhia e com um bom vinho, neste caso um Alvarinho de Monção, o Soalheiro 2008, um must!
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Massa Cozida (Rissóis)

........................ Há algum tempo, prometi a uma amiga azarada com massas, que iria abordando por aqui esse tema. Na altura, não me tinha ainda apercebido que essa vertente tão importante de uma cozinha como a nossa, em que os cereais e portanto as farinhas, ocupam um lugar tão destacado, era um assunto cada vez mais esquecido, quiçá à conta de uma verdadeira invasão de massas pré-fabricadas, que, onde antes havia uma ou duas tímidas massas folhadas, existem agora prateleiras cheias das massas mais diversas, das realmente difíceis, como a Filo, até às mais simples e de feitura imediata, como massa de pão, quebrada, pasta, tenra ou de rissóis!
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Claro que, além de um saber que se perde, também um sabor que era rico e variável consoante a vontade do amassador, é rapidamente normalizado pela receita industrial que "sai sempre bem" e nós lá vamos comendo mais um estabilizador, um melhorante, um regulador de acidez, um intensificador de sabor, onde antes havia farinha, água e apenas um pouco mais de algo que fazia a diferença.
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Agora é frequente verem-se absurdos como receitas de massas lêvedas feitas com farinhas self-raising e fermento, o que mostra o ponto a que chegou a incompreensão do que é uma massa, neste caso lêveda.
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Eu faço as minhas massas e isso dá-me um enorme gozo; é algo orgânico e visceral o que se sente quando as mãos entram nessa textura estranha e viva que é uma massa. Só não faço a filo por não haver a sêmola necessária à disposição e, por vezes, a folhada, por preguiça.
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A massa de rissóis, ou massa cozida, é também a base de muitas outras, a de choux, de sonhos, de cavacas, etc. A sua feitura é das mais simples, sendo precisa apenas alguma decisão nos gestos. Não é massa para medrosos ou indecisos!
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Ingredientes:
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1 chávena muito cheia de Farinha (a abarrotar, tipo 55 ou 65)
1 chávena muito mal cheia de água (um dedo abaixo do bordo)
1 pitada de Sal
1 colher de sopa de Manteiga
1 casquinha de Limão
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Preparação:
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Ponha a água ao lume com todos os ingredientes, excepto a farinha.
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Quando ferver, retire a casquinha de limão e, fora do lume, despeje a farinha na água, toda de uma só vez, e mexa rápida e energicamente com uma colher de pau.
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Volte ao lume, mexendo sempre. Dentro de 10-15 segundos a farinha está cozida e despega-se do fundo do tacho.
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Deixe arrefecer um pouco, para não se queimar, passe a bola de massa ainda irregular para a pedra e trabalhe-a com as mãos até ela se apresentar lisa e elástica.
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A massa cozida estende-se com rolo, sobre a bancada de pedra ou laminado, sem auxílio de farinha, quer no rolo, quer na pedra. Uma massa de rissóis que precise de ser enfarinhada para não pegar, está mal feita, provavelmente tem água a mais ou falta de casca de limão.
Quanto mais fina se estender, melhor o resultado final. Esta é uma massa cujo valor gastronómco reside na sua escassez: quanto menos, melhor!
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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Bacalhau à Brás (preceito)

............................ Continuamos hoje o tema recorrente das comidas "fáceis".
Como vos disse aqui há já muito tempo, de entre os muitos pratos que séculos de experiência anónima nas cozinhas das famílias portuguesas firmaram como jóias da nossa identidade e cultura gastronómica, o Bacalhau à Brás ocupa uma posição destacada.
Falo, naturalmente, desse prato maior da nossa cultura, ainda há poucos anos presente nas mesas mais exigentes e que agora se transformou num semi-aborto culinário, apadrinhado até, nesta sua versão mais vergonhosa, a das batatas fritas de pacote, por uma multidão de alegres chefs da nossa praça, os mesmos patetas alegres que acham doutamente que a atlântica Cozinha Portuguesa é uma cozinha mediterrânica.
Outra coisa nem seria de esperar, num país onde, bem contados, há seguramente mais "chefs" que cozinheiros; é a nossa versão pacóvia daquele Brasil onde havia mais "doutores" que doentes e mais "coronéis" que soldados...

Espécie de “fast food” caseiro ou pré-congelado, o bacalhau à brás assim abastardado pelos tais palitinhos cornichos em pacote, invadiu tudo.
Fazer qualquer coisa “à Brás”, até nem precisa ser bacalhau, passou a ser sinónimo de coisinha rápida e prática, uma porcariazinha gordurosa e sem sabor que, numa república que não fosse a das bananas, levaria, e bem, para trás das grades, os autores desse crime de destruição do património cultural que é o Bacalhau à Brás.
Deixo aqui, do mesmo modo que deixei no Comidas Caseiras, como modesto contributo para a memória deste delicioso monumento da nossa Cozinha, o preceito para a execução do Bacalhau à Brás como ele foi, fixado por Maria de Lourdes Modesto na Cozinha Tradicional Portuguesa.
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Ingredientes:
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400g de Bacalhau
500g de Batata
6 Ovos
3 colheres de sopa de Azeite Virgem
3 Cebolas
1 dente de Alho
Salsa
Sal e Pimenta
Azeitonas Pretas de cura natural
Óleo ou azeite para fritar
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Preparação:
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Retire a pele e as espinhas ao bacalhau previamente demolhado.
Esta operação pode ser muito facilitada se escaldar brevemente o bacalhau, vertendo sobre as postas água bem quente e deixando o bacalhau nesta água alguns segundos.Desfie o bacalhau com as mãos e reserve.
Prepare então as batatas, descascando-as e cortando-as em palha. Cortar em palha é cortar em palitos com cerca de 3 milímetros de lado, nunca mais.
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Frite estas batatas em óleo ou azeite refinado quente e retire-as assim que começam a alourar, o que é rápido. Reserve-as.
Corte o alho e as cebolas em rodelas finas e refogue-os lentamente no azeite virgem, em lume médio, num tacho de fundo espesso, até a cebola estar cozida e transparente.
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Junte então o bacalhau desfiado e mexa para que fique bem envolvido com a cebola e o azeite.
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Junte então as batatas ao bacalhau e, com o tacho sobre o lume baixo/médio, acrescente os ovos batidos com salsa picada e temperados com sal e pimenta.
Mexa com uma colher ou garfo de pau, continuamente, até o ovo se tornar cremoso, mas cozido. Passe imediatamente o cozinhado para uma travessa fria, para que a cozedura não continue. Salpique com salsa picada ou enfeite com ramos de salsa e sirva logo.
Acompanha-se com azeitonas pretas miúdas, ditas “galegas” e curtidas pelo método tradicional. Não use as modernas azeitonas pretas grandes e redondas, com o interior acinzentado pela curtimenta química.
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Galinha de Fricassé


.................................Raramente discordo das opiniões de mestre de João Vasconcelos Costa.
Há, no entanto, um aspecto em que temos visões diferentes do fenómeno gastronómico e culinário: o modo como se vê a qualidade do cozinheiro. Enquanto ele classifica os executantes de cozinha pelo mérito demonstrado em pratos de grande gabarito e dificuldade (por exemplo, a confecção do dificílimo Molho Holandês), eu tenho para mim que a qualidade da execução culinária se vê especialmente bem nos pratos simples e corriqueiros, aqueles que toda a gente diz que sabe fazer e faz mas, na verdade, atamanca em arremedos que acabam por ganhar alforria e que destroem a grandeza que reveste pratos tão simples e difíceis como um Bacalhau com Batatas, um Bife, um Fricassé, um Bacalhau à Brás ou à Gomes de Sá, um Ovo Estrelado...
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O fricassé é dos tais pratos ditos "fáceis". Todos o sabem fazer, mas a verdade é que basta provar os exemplares servidos na maioria dos restaurantes para verificar que , sob o nome de fricassé, é-nos apresentada uma variedade imensa de papas mais ou menos dessoradas, a escorrer umas aguadilhas leitosas de uns fiapos de ovo cozido demais.
Isto quando o "fricassé" não se limita a uma molhanga pré-fabricada amarelada com uns pedaços de carne a boiar!
Na verdade, a execução de um bom fricassé não está ao alcance imediato de todos e dificilmente se compadece com a azáfama de uma cozinha industrial.
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Ingredientes:
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1 Galinha gorda ou Frango do campo
Sal grosso
1 raminho de Hortelã
1 Cebola grande
2 dentes de Alho
1 folha de Louro
1/2 copo de gordura da galinha
1 copo de canja da galinha
5 - 7 ovos, conforme o tamanho do bicho e dos ovos
Sumo de 2 Limões grandes ou 3 médios
Flor de Sal e Pimenta Preta
Salsa picada
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Preparação:
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Parta a galinha ou frango em quartos, cubra de água e coza demoradamente com sal grosso e um raminho de hortelã.
Depois de um tempo de cozedura que é muito variável segundo a qualidade da ave, quando verificar que a carne já se destaca com facilidade dos ossos, escorra e deixe a arrefecer até estar morna e poder mexer-lhe bem sem se queimar.
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Com uma concha de sopa retire com cuidado, da superfície da canja formada, meio copo da gordura do animal e ponha-a num tacho. Descasque e parta em meias rodelas a cebola e pique os dentes de alho muito fino.
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Refogue sem deixar alourar a cebola, a folha de louro, a salsa picada grosso e o alho na gordura da galinha, retire o louro e junte-lhe depois um copo de canja .
Remova ossos e pele à galinha e desmanche a carne com os dedos de modo a ficarem pedaços que se possam comer sem necessidade de usar faca. Por norma não se usa a pele, mas pode mantê-la se tiver a certeza que é do agrado de todos os comensais. Ponha a carne no tacho e envolva.
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Bata os ovos com flor de sal e pimenta.
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No fim junte o sumo de limão.
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Ponha de novo o tacho ao lume e junte os ovos, mexendo sempre, devagar, com o lume muito baixo, até ver que começou a engrossar.
Tire imediatamente do lume e vaze numa terrina ou travessa frias, de modo a impedir que a cocção continue. Esta operação é muito delicada ( é aqui que se dão os desastres), pois a carne, por cima, impede de ver o que está a suceder junto ao fundo, mais quente. Se não domina bem a técnica de engrossar ovos sem talhar, sugiro que faça a operação de engrossar do molho sem a carne lá dentro, misturando depois já fora do lume.
Sirva de imediato acompanhado de salada de alface bem escorrida (ou à parte) e batata frita fina ou arroz de manteiga.
Consuma tudo pois é impossível reaquecer em condições um fricassé.
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Notas:
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Utilize os melhores animais que puder para este prato. Há que evitar, sobretudo, as magríssimas galinhas poedeiras velhas que aparecem em saldo nos supermercados.
Se não tiver galinha gorda ou frango do campo, utilize pernas de frango de aviário, das que se vendem separadas.Uma perna de perú pode ser opção a considerar, apesar de muito diferente o sabor final.
No caso de usar só pernas, não terá gordura suficiente pelo que deverá usar azeite.
Terá ainda como subproduto uma óptima canja para aproveitar.
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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Percebes de Ano Novo

Passamos a vida a planear mais vida e raramente nos preocupamos a sério com a hora da nossa morte. Talvez por isso mesmo a morte seja, hoje e cada vez mais, o inferno hospitalar de tubos, máquinas e algálias de urina, de sangue e de alma.

Eu gostava de morrer a apanhar percebes!

Vencido por fim pela onda vingadora de todas as irmãs que consegui desfeitear ao longo de uma vida que joguei, mano-a-mano com a morte, nesse jogo espantoso que se vive todo por dentro, inexplicável para o profano, bravata para quem observa com menos atenção, uma mística, pura adrenalina, mas não da gratuita, aqui a paga aparente é também a negaça que nos puxa, arriba abaixo, buraco adentro para chegar à Pollicipes pollicipes, a percebe.
Mas a verdadeira taça que se leva para casa depois da aventura é a propria vida.
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Impaciento-me com divertimentos de marcação prévia, bailes de Carnaval, rèveillons de gente sisuda e cara sorridente, com chapelinhos de palhaço, fatia de bolo-rei e uma taça de espumante, aos beijinhos e a jurar que agora é que vai ser, viva o novo ano.

No fim de ano, fujo para o mar.
Como a costa de Finisterra, a minha eleita, está demasiado longe para tão curtas férias, o Ano Novo é na também querida Costa Alentejana, com a Passagem sobre as arribas, algum banho de S.Valentim e, claro, com percebes.
Agora que pela Costa Vicentina impera uma lei infame, feita por homens que, a despeito de também eles lá andarem, preferiram guardar só para si, os ditos residentes, a posse de todas as percebes daquela costa, terei de confiar que os guardas do "tesouro" estejam bêbados do rèveillon e me deixem em paz com as arribas e o mar, no dia 1 de Janeiro, quando eu descer as falésias da Arrifana para apanhar as Percebes de Ano Novo!

Bom Ano de 2010!!!