sexta-feira, 29 de abril de 2011

"Wine Pairing" (disclaimer)

                                                                               Foto retirada de Foodwinechef.net     
Quando qualquer um ganha nem que seja um tudo-nadinha de notoriedade, é certo como se de Lei física se tratasse que logo surgem do meio do nada uns invejosos profissionais que, ao verem que não chegarão nunca ao estatuto de "caravana" contentam-se com o de "cão que ladra à caravana que passa".
É a chamada dor de cotovelo, a que o povo, sempre mais assertivo, chama de corno e bem!
Vem isto a propósito de eu andar na berlinda virtual da maledicência do cinzentismo triste de quem se consome ao ver que, apesar de aqui se  usarem fotografias nas receitas e eu não perceber nada da ciência enológica, os meus queridos leitores teimam em seguir este trabalho que faço, sem pretensões a tratado de gastronomia ou sequer aula de cozinha, já que não sou nem professor nem sequer profissional e me limito a partilhar com sinceridade as comidas que vou fazendo, umas copiadas, outras criadas por inspiração noutras ou por pura invençao lúdica, umas bem conseguidas, outras nem por isso, como acontece nas cozinhas do dia a dia, de todos nós.
Mas numa coisa tem alguma razão o meu detrator de estimação: é bem verdade que não sou grande conselheiro de vinhos. Claro que, por isso mesmo, não dou conselhos a ninguém, digo apenas o que senti com a escolha (às vezes desastrada) que fiz para aquele prato.
Eu gosto muito de vinho mas passam-se vários dias em que não lhe toco sequer; muitas das minhas refeições são acompanhadas por água e isso leva-nos diretamente ao título deste post, o wine pairing que em português não tem realmente tradução para além desse neologismo "mariadagem" que tenta explicar esse conceito de adaptação dos vinhos às refeições que acompanham.
Apesar de sempre se ter escolhido o vinho que vai acompanhar o prato, este wine pairing, hoje encarado como uma quase-ciência é um fenómeno recente, nascido do puritanismo americano da época Reagan, sempre renitente em encarar o vinho por si mesmo, procurando amarrá-lo às comidas como complemento destas, desculpabilizando-o daquilo que ele é: vinho!
 Por mim, que acho que o melhor acompanhamento para uma garrafa de vinho é mesmo uma boa conversa e fico interdito quando percebo que afinal até no wine pairing as regras variam afinal com o gosto do aconselhante, sendo que uns acham que o vinho deve ser complementar, outros que deve ser constrastante, que uns defendem tintos fortes para a maioria dos queijos, outros (e eu também) preferem os brancos ou verdes; como os gostos variam, os conselhos também, é natural.
Mas eu gosto mesmo é de vinho sem companhia e quando experimento um vinho faço-o a solo, sem comidas à mistura. Depois digo-vos sem complexos o que achei do vinho, é uma impressão sem qualquer valor científico, gastronómico ou enológico, ditada pela maneira como o senti no palato, mais não sei dizer.
Quando aposto que um vinho irá acompanhar bem determinado prato, faço-o por instinto; umas vezes acerto e digo-vos "foi boa escolha", outras erro redondamente e digo-vos "foi má escolha", assim. Mas quem me lê e muitas vezes até usa as minhas receitas, por certo não usará o Outras Comidas como blog conselheiro de vinhos, acho que não é difícil perceber onde param aqui méritos e deméritos.
Quem não percebe é o tal de quem vos falei ao princípio desta conversa e por isso decidi fazer hoje aqui esse truque do "disclaimer", uma manobra baixa que não tem tradução em português e que significa algo equidistante entre "pontos nos ii", "carta de principios" e "regulamento interno".

DISCLAIMER:

- O Outras Comidas é um blog onde se fala da cozinha do seu autor.
- O autor do blog é totalmente autodidata e amador, socorrendo-se, apenas nos casos de pratos tradicionais, dos conselhos de autores consagrados nesta área cultural.
- O autor do blog não segue qualquer linha de orientação culinária, gastronómica ou enológica, recusando quaisquer outros critérios que não sejam os dos seus gosto e opções.
- No Outras Comidas só se experimentam vinhos cujo preço não exceda 10€ (talvez resquícios de uma consciência formada à esquerda, acho imoral que um gole de certos vinhos possa custar mais do que muitas famílias tenham para viver o dia todo).
- Não há notas de prova no Outras Comidas. Por vezes peço conselho a um wine expert, que é o Arq. Cupido do blog Garficopo. De qualquer modo quando aqui se diz que um vinho é bom, ou mau, isso quer dizer tão-só que eu gostei dele , ou não.
- O Outras Comidas é um blog de cozinha, não de gastronomia.
  
                                                                                              Foto retirada de La Gourmandise

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tortilha de Bacalhau


                             Tortilha foi um termo que entrou tardiamente no meu vocabulário e quando entrou foi primeiro a significar esses crepes de milho omnipresentes na cozinha mexicana.
Só depois, ao conhecer as tortillas espanholas, percebi que afinal tinha comido tortilhas toda a vida, rebatizadas sabe-se lá porquê na casa dos meus pais de "pastelão".

A dramática modificação física que o ovo sofre ao ser cozinhado a quente sempre foi motivo de fascínio para mim e talvez por isso desenvolvi um gosto até algo exarcebado pelos pratos à base de ovos, desde os simples estrelados ou escalfados, aos pudins, carbonaras, aos exigentíssimos ovos mexidos a preceito (um dia faço-os se descobrir maneira de descrever a contento o processo), aos molhos-emulsão, as farófias, os leites-creme, ovos moles, passando pelas infinitas possibilidades de variação das omoletes e das tortilhas, desde a simples de patatas, até ao que se quiser.
Porque devia fazer a difícil escolha de um prato de ovos para esta 25ª Trilogia com a Ana e o Cupido, com tema "Ovos", optei por esse verdadeiro prato de fusão ibérico, algo que começa como uma tortilla de patatas espanhola e acaba a incorporar o portuguesíssimo bacalhau, numa tortilha/pastelão deliciosa que aprendi com a minha mãe há muitos, muitos anos e era prato de aproveitamento de restos!

Ingredientes:

Batatas
Cebola
Alhos
Azeite
Bacalhau 
Sal e pimenta
Salsa
Ovos batidos

Preparação:

Comece por fritar levemente cebolas cortadas em gomos finos e alhos fatiados e, logo por cima batatas cortadas em falhas e temperadas com pimenta.


Deixe ao lume médio, mexendo amiúde para que nada frite realmente, apenas vá cozendo no azeite até que note que as arestas das partes mais finas das falhas de batata começam a desfazer-se, sinal para introduzir o bacalhau que foi previamente escaldado com água a ferver, sem nunca voltar ao lume e depois desmanchado respeitando as lascas. Envolva bem e deixe a fervinhar por cerca de 10 minutos em lume baixo, para manter a humidade do peixe.


Bata então os ovos (2 por pessoa) com salsa picada e sal e junte-lhes na tigela tudo o que estava na frigideira, envolva e volte então a pôr  na frigideira em lume médio.
Quando o lado de baixo estiver pronto, o que se vê pela cor que os bordos tomam e pelas "chaminés" borbulhantes que se formam na parte ainda crua, faça a tortilha deslizar para um prato ou tampa da frigideira, cubra esse prato ou tampa com a frigideira invertida e volte o conjunto com decisão, virando assim a sua tortilha.

Deixe cozer a seu gosto; essa sensibilidade só se adquire realmente com a prática e esse tempo também é muito determinado pelo facto de os ovos terem vindo ou não do frigorífico. Para mim, gosto que a tortilha fique com partes húmidas de creme de ovo, por dentro, mas aqui cada um tem a sua preferência , toda a gente sabe se gosta de ovos muito ou pouco passados e não é coisa que se coma pela bitola de outros.


Pessoalmente, talvez porque era assim que a comia em criança, adoro acompanhar o calor gordo de uma tortilha com o fresco avinagrado de uma salada de alface, servida no mesmo prato para aproveitar essa "promiscuidade" de sabores e temperaturas contrárias, coisa que costuma irritar sumamente os gastrónomos e outros doutores do gosto, o que não me importa nem um bocadinho, pois como é sabido, apesar de às vezes também se chegar através da gastronomia a propostas interessantes, basicamente, ser gastrónomo é uma pose elitista que  abdica do próprio gosto e adota, para degustar, gostar ou desgostar da própria comida, a boca, o gosto, os critérios, as modas e as opiniões de sagradas maçonarias que ninguém nomeou ou elegeu.

... e agora que se cumpriu esta 25ª Trilogia, toca a pensar no tema da 26ª, que me toca a mim!

domingo, 24 de abril de 2011

Magret com redução de balsâmico mascavado


                  Em boa verdade, só por convenção se manteve este nome “magret” para designar a peça (e, por vezes, também o prato) que, em português, se chamaria normalmente supremos de pato.
Supremos ou magret, o certo é que a preparação dos peitos de pato com a sua pele, vem já dos tempos “pré-históricos” da velha cozinha francesa de Escoffier e Brillat-Savarin, embora aí fosse prato que, atafulhado de molhos hoje impossíveis de digerir, dificilmente pudesse considerar-se sequer aparentado com a maravilha em que a Nouvelle Cuisine o transformou, um must de delicadeza, simplicidade, requinte e permanente inovação, que cada um recria a cada momento, sabendo sempre que tem por trás essa peça de textura única e sabor arrebatador que é o magret.


Ingredientes:


Peito de pato, com a sua pele
Sal e pimenta
Cebola ou chalotas
Alho
Salsa
Açúcar mascavado
Vinagre balsâmico
Bróculos
Quenelles de batata e manteiga

Preparação:


Salpique de sal e pimenta acabada de moer os peitos de pato e deixe por alguns minutos.
Vire então com a pele para cima e com o auxílio de uma faca extremamente afiada faça um quadriculado nesta pele mas sem chegar ao músculo.

Aqueça bem uma frigideira de ferro, deite-lhe umas pedras de sal grosso e cozinhe os peitos do lado da pele, com lume forte e agitando a frigideira,


até que a gordura da pele esteja toda derretida e a pele tostada e estaladiça.


Vire então os peitos de modo a cozinhar o outro lado, levemente até começarem apenas a ganhar cor. Retire então os peitos, lamine-os com uma faca afiada mas sem chegar à pele e reserve.
Em cerca de 2 colheres de sopa de gordura do pato (rejeite o excesso se necessário), frite a cebola ou chalota, cortada em rodelas finíssimas, juntamente com o alho laminado e, antes ainda de ganharem cor, junte vinagre balsâmico e salsa picada, deixe ferver,



adicione então uma colher de sopa de açúcar mascavado e ponha de novo os peitos neste molho com a pele para cima e deixe o tempo que entender para cozinhar a carne semi-fatiada. Aqui, manda o gosto pessoal: por norma a carne deve ficar tostada à superfície e quase crua por dentro, mas nada mais parvo que, em nome de uma qualquer regra que viola o nosso gosto, estarmos a comer carne mal passada quando gostamos ao contrário ou vice-versa. É no entanto importante que nesta segunda ida dos magrets ao lume, a pele estaladiça nunca seja mergulhada no molho envinagrado, pois ficaria mole.
Quando considerar que o interior do magret está a seu gosto (vai-se espreitando por entre as lâminas da carne), sirva. Usei como acompanhamento, quenelles de batata cozida esmagada com manteiga e brócolos também cozidos e temperados com o próprio molho do magret.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cabrito no Forno

 ...............  Comer cabrito ou cordeiro, de leite, na Páscoa, é uma tradição que por via dos preços exorbitantes a que os jovens ovinos e ainda mais os caprinos aparecem à venda, está a ser paulatinamente substituída pelo uso dos irmãos mais velhos, os borregos, que, apesar de não serem  a mesma coisa, vão dando conta do recado.
Para aqueles que, como eu, vão tendo a sorte de conseguir uns bichinhos dos que cabem inteiros no tabuleiro pelo preço de "obrigado", vai sendo ainda possível essa sorte grande de sabor e textura inimitável que é a do anho ou cabrito de leite no forno e que aqui deixo como receita pascal, sendo que fica igualmente muito bom feito com uma mão ou perna de borrego, acompanhadas pelo precioso e disputado contrapeso das costelas.

Ingredientes:

Cabrito de leite
Cebola
Alhos
Colorau*
Louro
Sal e pimenta
Banha de porco
Manteiga ou margarina
Vinho branco, seco
Batatinhas de assar
Grelos cozidos

Preparação:

Tempere a carne dos dois lados com sal, pimenta, alhos em fatias ou esmagados, louro, colorau* e disponha-a sobre rodelas de cebola no fundo do tabuleiro.

Distribua em seguida pedaços de banha e manteiga (ou margarina) sobre a carne, cubra o espaço existente no tabuleiro com batatinhas de assar com casca, salpique tudo  com umas gotas de vinho branco
 e leve a forno quente por cerca de 15m, reduzindo em seguida para 150ºC por mais ou menos uma hora ou até carne e batatas estarem bem cozinhadas e louras a seu gosto. Durante este tempo vá borrifando o assado com pequenas quantidades de vinho branco, de modo a nunca deixar queimar o molho.



Sirva com grelos cozidos ou outro verde a seu gosto e acompanhe com um tinto muito leve e frutado, um rosé ou até um branco com alguma complexidade.



Nota:
O colorau, que na prática não se diferencia do pimentão doce e da paprica, podendo ser usado, indiferentemente, qualquer deles, não é sobreponível nem substituível por massa de pimentão.
Apesar de se tratar de produtos do mesmo fruto, o pimento maduro (capsicum), o efeito culinário é muito diferente, sendo a massa de pimentão um produto cru, de salmoura, apropriada para a carne de porco e o pimentão doce um produto que levou calor na sua desidratação e que perdeu todas as características do pimento fresco e se tornou apropriado para outras carnes, peixes, etc.
Vai sendo, no entanto, cada vez mais comum, o uso indiscriminado de massa de pimentão, como se de mais-valia se tratasse mas sendo, muitas vezes, simplesmente o arruinar de todo um prato que até podia resultar muito bem.

BOA  PÁSCOA! 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Fiambre

Fiambre!
Não posso dizer que tenha ficado feliz quando soube o tema escolhido pelo Cupido para esta 24ª Trilogia comigo e com a Ana: por algum motivo, após 395 posts aqui no Outras Comidas, a palavra que hoje figura com honras de abertura e ponto de exclamação, não tinha ainda sido escrita neste blog uma única vez.
Eu desconfio da “nobreza” do fiambre e da salsicharia industrial em geral, por mais “Extra”, “caseiro” ou “especial” que o marketing desses impérios suínos me queira vender o conceito, com lindas ideias de criancinhas enlevadas e felizes a repetir “extra” na televisão enquanto o paizinho da criança explica  que aquilo é perninha pura de porco puro cozidinha devagarinho a vapor e depois acabada num forno, suavemente, sem corantes nem conservantes, pois claro, viva a natureza, o que eu sei é que nas letras minúsculas que vêm na embalagem do tal fiambre só-carne-e-natureza, diz lá que tem além de carne de porco, também água, dextrose, sal, polifosfato de sódio, polifosfato de potássio, carragenina, especiarias, ascorbato de sódio, nitrito de sódio, acetato de sódio, glutamato, leite e soja! Isto vem nas pouco-naturíssimas letras pequeninas, porque no site da marca, numa espantosa secção de FAQ’s que vale a pena ler, lá está preto no branco que o querido Extra é feito exclusivamente de carne sem aditivos, corantes ou conservantes! É preciso descaramento (e com estes grandes não se mete a ASAE)!
E estou a falar do topo de gama fiambral, porque daí para baixo há de tudo, até produtos que têm 80% de água e químicos, sendo gordura os outros 20%: um nojo!
Mas trilogia é trilogia, fiambre é, tout court, perna de porco cozida com especiarias, e por isso, mais que um prato com fiambre, que pode ser um qualquer, este post é o relato de como fiz, a partir de uma peça da perna de porco, fresca, um verdadeiro naturíssimo, muito, mas mesmo muito extra!

Ingredientes:

Carne de porco da perna, em peça.
Sal
Pimenta
Alho
Louro
Açúcar mascavado

Preparação:

Prepare uma peça regular da perna (usei uma rabadilha),
 
limpando-a bem e deixando-a por 3 dias imersa numa solução saturada de sal e aromatizada com rodelas de limão.

Ao fim dos 3 dias retire-a do banho de salmoura, seque-a e esfregue-a com alhos e louro esmagados com  pimenta e açúcar mascavado.
Feche-a bem dentro de um saco de forno, sem ar, meta-a dentro de um tacho de barro com água bem quente, tape e leve o conjunto ao forno por 7-8 horas a 80ºC.
Retire o fiambre do saco e leve-o mais 10m ao forno a 70ºC, para secar.
Refrigere o fiambre antes de fatiar na fiambreira ou usar como quiser.
Se o processo se desenrolou sem percalços na temperatura, deve o fiambre estar suculento e rosado por dentro,

não tanto como o industrial mas também evita ingerir nitrito de sódio, um químico tão inocente que até a ETA usa para fazer bombas.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Biqueirão alimado (Boquerones)

.......................... O biqueirão (Engraulis encrasicolus) é um peixe  azulado que costuma ser capturado para a indústria conserveira, já que é com o biqueirão que se faz a conserva de "anchova". Além destes que acabam em lata, quase todos os outros biqueirões que caem na rede têm como destino esse must das tapas malagueñas e agora de toda a Espanha, os Boquerones en vinagre!
A sua popularidade tornou-se tanta que a quase totalidade de biqueirão capturada em Portugal é rapidamente canalizada a alto preço para a indústria hoteleira nacional e espanhola, tendo, na prática, desaparecido dos mercados, para desespero daqueles que, como eu, são amantes incondicionais deste maravilhoso petisco e têm de recorrer a artifícios como o que vos indiquei aqui para terem algo de vagamente semelhante aos inimitáveis boquerones das férias em Espanha.
Resta-nos a possibilidade de encontrarmos o bom e legítimo biqueirão, o que é possível com algum trabalho de relações públicas e persuasão junto dos profissionais do nosso mercado de peixe; é que o biqueirão pequeno costuma ser companhia acidental nas caixas de sardinha e petinga e é até muitas vezes escolhido e ...... deitado fora!
Tem aparecido biqueirão este ano, claro que não é muito grande mas em compensação é ao preço de sardinha em época baixa ou até dado, se conhecer o vendedor e pedir com bons modos.

Ingredientes:

Biqueirão
Água
Vinagre de vinho
Sal
Azeite virgem
Alhos
Salsa

Preparação:

Corte a cabeça aos biqueirões. Deverá em seguida escalá-los como se faz às sardinhas para fritar, inserindo a ponta do indicador sobre a espinha e fazendo-a deslizar ao longo desta, abrindo o biqueirão como se fosse um fecho éclair. 


Puxe então pela espinha que ficou junto com a metade de baixo do biqueirão e com o auxílio de uma tesoura corte-a junto à cauda.

Mergulhe os biqueirões escalados em água gelada durante alguns minutos para que percam qualquer resto de sangue, disponha-os num recipiente,
e cubra-os com uma mistura em partes iguais de vinagre de vinho a 6º e água, na qual dissolveu uma quantidade generosa de sal.

Agite o recipiente para que o vinagre possa chegar a todas as camadas de biqueirões e deixe em repouso por algumas horas ou para o dia seguinte, durante as quais se dará uma mudança dramática no aspeto  dos filetes, que passarão do tom rosado/avermelhado para o branco nacarado, o que indicará que o processo de cozedura acética a frio está terminado.
Retire-os então do líquido em que curtiram, escorra-os bem e disponha-os noutro recipiente plano onde os deve cobrir de azeite virgem, alho e salsa picados fino. 
Se conseguir resistir à tentação, deixe-os neste azeite temperado por 24 horas, antes de servi-los como quiser. Eu usei uma apresentação minimal com pão caseiro, azeitonas pretas e umas tiras de pimento vermelho assado, mas aqui as variações são como o gosto e a imaginação de cada um, sendo comum a inclusão de cebola ou chalota cruas, rodelas de limão, alcaparras, pimentos de piquillo, pimenta moída na altura sobre o peixe, etc.

Acompanhei com este Couteiro-Mor, Colheita selecionada 2008, que trazia recomendação da Revista de Vinhos e que, talvez por esse facto tivesse gerado alguma expectativa demasiado ambiciosa, com o desapontamento correspondente. Tão banal, tão banal, que dei por mim a preferir que ao menos pudesse chamar-lhe um mau vinho, mas nem isso!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sopa de cascas de fava

 ...................... Aquilo que aproveitamos ou deitamos fora, tem muitas vezes mais a ver com hábitos culturais que com uma reflexão racional àcerca do automatismo mil vezes repetido e por isso mesmo aceite como bom. É o que faz que a mesma ratazana seja aqui considerada uma praga e no sudoeste asiático uma iguaria, que nós adoremos um prato de caracóis que enoja um alemão, que deitemos fora as cascas de banana com que se faz uma deliciosa compota no Brasil, que a fresca rúcula seja hoje uma categorizada salada quando há meia dúzia de anos era apenas uma erva daninha que teimava em aparecer por entre as coisas boas da horta ou ainda que nunca tenhamos pensado em provar a suculenta casca da vagem das favas, afinal pouco diferente do apetecível feijão verde.
Claro que estou a falar de favas jovens e tenras e não daquelas vagens enegrecidas e coriáceas de fim de época. Quando jovens são uma delícia e com elas podem-se fazer esparregados, podem-se estufar como feijão verde ou ainda fazer uma bela sopa de fava com muito baixas calorias, sem pecado, assim:

Ingredientes:

Cascas de favas
Favas jovens, por descascar
1 fio de azeite
1 cebola
2 dentes de alho
Sal e pimenta
Coentros ou hortelã

Preparação:

Retire o fio lateral que tem a vagem, tal qual como faz com o feijão verde.
Refogue a cebola e os alhos no azeite e quando estiverem a começar a ganhar cor, junte-lhes as cascas em pedaços,

tempere com sal e pimenta, cubra de água, tape e deixe a cozer por cerca de dez minutos.

Passe tudo com a varinha até obter um puré aveludado e junte então alguns troços de favas muito jovens, com a respetiva vagem,

deixe cozer por mais uns minutos, aromatize com hortelã ou coentros e sirva.



quarta-feira, 13 de abril de 2011

Papas com rojões

..................... Papas de milho, polenta, xerém, milhos, são termos que designam uma das mais esquecidas preparações à base de farinhas ou carolos de milho, cozidos.
Nunca percebi bem que motivo teria levado a este ostracismo culinário de algo que foi presença constante e muitas vezes única, durante muitos séculos, às magríssimas mesas de fome dos pobres de toda a Europa e de Portugal também. Talvez a vontade de esquecer tempos duros em que a fome podia ser letal, afastando a lembrança desse prato, pobre entre os pobres, para um eterno esquecimento.
Essa é a grande injustiça que persegue o milho, cereal muito mais importante que o trigo na cultura europeia e que, escondido sob a forma de rações e forragens, continua a ser a base alimentar de todas as proteínas animais, terrestres, que hoje consumimos. Mas se o consumimos indiretamente a toda a hora, já o seu uso enquanto alimento direto está restringido a umas broas, uns doces de colher regionais, uns xeréns algarvios, umas crostas em assados mais ou menos exóticos, uns corn flakes totalmente industrializados e pouco mais.
Para esta 23ª Trilogia com a Ana e o Cupido, o tema é precisamente O Milho, e para homenagear esse prato que nos trouxe, enquanto povo, até aqui, deixo-vos esta polenta ou papas de milho tradicionais com couve, com uns rojões a acompanhar, para não serem só as papas, de que, afinal, andamos todos fartos, não de comê-las, mas que no-las comam na cabeça.

Ingredientes:

1 medida de carolo (farinha grossa) de milho amarelo
5 medidas de água de cozer as couves
Folhas de couve portuguesa ou, se for tenra, galega
Azeite
Alhos
Sal e pimenta

Carne de porco, da perna
Massa de pimentão
Alhos, louro e pimenta
Vinho branco
Banha de porco

Preparação:

Corte em pedaços grandes a carne de porco (conte com 200g por pessoa) e tempere-a, de véspera, com a massa de pimentão, alhos, louro, pimenta e vinho branco (não precisa de sal dado que as massas de pimentão são extremamente salgadas).
Deixe assim para o dia seguinte, fora do frigorífico.
Coza algumas folhas verdes de couve portuguesa ou galega (também pode usar caldo verde cortado grosso), em água e sal, deixe-as mal cozidas e reserve folhas e liquido. 
Refogue num fundo escasso de azeite alhos picados muito fino até começarem a ganhar cor e junte-lhes cinco medidas da caldo das couves. Quando ferver, adicione em chuva, mexendo sempre, uma medida de carolo de milho (usei, para 2 pessoas, a medida de 150ml). Deixe cozer em lume muito brando por uma hora, mexendo ocasionalmente para não pegar e juntando se necessário algum líquido.
Enquanto as papas cozem, frite a carne em lume esperto, em banha, até alourar.
Junte então cerca de meio litro de vinho branco e deixe fervinhar por cerca de meia hora, após o que aumenta a temperatura de modo a evaporar toda a água e ficar apenas um molho espesso.
Quando as papas estão cozidas, o que se nota pois deixam de pegar ao tacho, como as migas, junte-lhes as folhas de couve cozida cortadas grosso e o molho dos rojões. Mexa bem e prove para ver se o sal do liquido das couves e do molho foi suficiente, retifique se necessário e deixe mais uns minutos ao lume, mexendo sempre.
Sirva logo com os rojões por cima

e delicie-se com estas papas de outrora que pedem meças a muitas migas
e que gritam por um bom copo de vinho tinto. Fiz-lhes a vontade com este varietal da Adega de Pegões, o Trincadeira de 2008 que revelou perfeita harmonia com os secos do repasto. 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sardinhas abafadas

.......................... Entre outubro e maio, quando as sardinhas andam secas e magras e gente como eu, desgostosa e ansiosa pela nova leva de sardinhas gordas e deliciosas que chegarão só lá para fins de Maio, têm de contentar-se com alguma lata das excelentes conservas portuguesas, ou com as sardinhas congeladas que, normalmente, apresentam sardinhas capturadas no auge da sua qualidade de verão.

Amante incondicional da Sardina pilchardus, que é o nome científico da nossa belíssima sardinha, uso esta sardinha congelada durante todo o período invernal do defeso e estas sardinhas abafadas têm a particularidade de aproveitar o estado de congelação dos peixes como parte essencial da execução. O resultado, que deixa a carne da sardinha com uma textura e sabor
 aparentados com a das irmãs de lata e, simultaneamente com a delicadeza dos escabeches, é verdadeiramente digno de ser provado.

Ingredientes:

Sardinhas congeladas (grandes)
Sal grosso
Alhos e Louro
Pimenta em grão
2 medidas de azeite
1 medida de vinagre

Preparação:

Introduza as sardinhas congeladas em água fervente, uma a uma, durante exatamente 10 segundos. Retire logo, pegue-a pela cabeça e com os dedos da outra mão faça deslizar a pele no sentido cabeça-cauda, que sairá como o dedo de uma luva, deixando o peixe pelado perfeitamente e ainda congelado.


Espere um pouco para que a sardinha pelada tenha tempo de descongelar um pouco, corte-lhe a cabeça e retire as vísceras. Corte então com uma tesoura a barriga, deixando a sardinha como se vê na foto. Salgue as sardinhas com abundante sal grosso e deixe num passador para que o líquido que se forma possa escoar sem dificuldades, durante cerca de 5 horas. Lave-as e cubra as sardinhas salgadas com água durante meia hora. Disponha-as num tacho contendo o azeite e vinagre previamente fervidos com os temperos e leve-as a lume muito brando, tapadas, durante meia hora. Deixe arrefecer no tacho, depois arrume-as numa travessa funda e regue com o líquido onde cozeram, estando prontas para consumir dentro de 24 horas e melhores ainda 2 ou 3 dias depois.