quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Saltimbocca a la Romana


“…/…
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
que de longe muito longe um povo a trouxe
e nela pôs sua alma confiada. …/…
Sophia de Mello Breyner  -  Com Fúria e Raiva (excerto)

            Quando propus à Ana e ao Cupido, o tema “Itália” para esta 44ª Trilogia, estava a imaginar apresentar um daqueles pratos emblemáticos da riquíssima cozinha transalpina, toda ela mediterrâneo, azeite, tomate, manjericão, massas e queijos.
Afinal, quem decidiu foi Sophia!
A decisão caiu sobre um dos pratos menos “italianos” da cozinha italiana, o saltimbocca, sem tomate, sem queijo, sem manjericão, mas maltratado de tal forma por esse mundo fora que merece sem dúvida a honra de ser, em desagravo e na versão original, o representante de Itália nesta edição trilógica.
Como em tantos pratos italianos, a exportação para terras americanas, quer do norte quer do sul, implicou alterações delirantes, umas motivadas pela pressa de transformar tudo em fast-food, outras por inépcia culinária, outras ainda por compulsão ianque para o amontoar de gorduras e sabores obesos em tudo o que é comida. Hoje é habitual chamar-se saltimbocca a carnes as mais diversas, com os recheios mais imaginativos, temperadas com ervas a gosto e, a maioria das vezes, nem enroladas são.
Eu gosto da evolução e metamorfoses dos pratos ao longo do tempo mas odeio a usurpação de nomes, o mau uso da sagrada palavra; quer dizer, tudo bem que se tenha inventado adicionar natas a uma carbonnara, delícias do mar ou ovo a uma açorda de marisco ou fazer um saltimbocca com peru, fiambre e manjericão em vez de vitela, presunto e sálvia, mas conservar o nome original em algo que de original nada tem, é contrafação! É como ir à feira do cigano e vir de lá com uma mala Vuitton de 10€ ou uma camiseta “lagarto” a fingir de Lacoste.
O velho Saltimbocca a la Romana, não se sabe porquê, já que existe em toda a península:

Ingredientes:

Escalopes de vitela ou novilho com menos de um ano
Presunto fatiado
Pimenta moída na altura
Sálvia fresca
Farinha
Azeite
Vinho branco, seco
Manteiga

Preparação:

Compre escalopes de vitela ou novilho muito jovem. O saltimbocca é feito tradicionalmente com vitela de leite, carne que eu não aprecio grande coisa e usei alcatra de um novilho com onze meses, chamado por vezes de vitelão, uma carne apenas um pouco menos tenra mas mais formada e já plena de sabor.
Corte o escalope em pedaços mais pequenos
 e estenda-o entre duas folhas de plástico com o auxílio de um batedor liso de carne; eu prefiro usar um rolo de massa com que se controla melhor o sentido em que se estende o escalope que deve ficar sensivelmente retangular e muito fino, apenas um pouco mais grosso que carpaccio.
Disponha sobre a carne estendida, uma folha de sálvia fresca, 
uma apenas pois a sálvia tem óleos essenciais muito potentes e, se usar mais, vai o seu sabor abafar a delicadeza deste prato.
Salpique com um pouco de pimenta moída no momento e cubra com uma fatia de presunto, fatiado fino (não se usa sal, o do presunto chega).
Enrole ao longo do comprimento,
e prenda com um palito.
Passe cada rolo por farinha, sacuda o excesso e frite rapidanente em azeite e lume forte, de modo a que fiquem os rolinhos dourados mas ainda rosados por dentro.
Retire os saltimbocche, desglace a frigideira com um golpe de vinho branco e, com o lume apagado, derreta no molho quente um pouco de manteiga, agitando sempre para emulsionar. Regue os saltimbocche com este molho.
Sirva com batatas semi-cozidas, depois cortadas em rodelas grossas e alouradas em manteiga 
 e um fresco a gosto.

4 comentários:

João Mario disse...

Nunca me decepciono quando passo por aqui. Sempre um belo aprendizado cultural e gastronômico.
Um abraço

João Mario

Anónimo disse...

que inveja dos sortudos que se deliciaram com este manjar...

anna disse...

Estes podiam ter saltado para e na minha boca que eu deixava...e olha que a minha casa fica muito mais perto que a Itália.
Terei de experimentar fazê-los, tá visto! Mas antes ainda vão sair as lulas com camarão...
Beijinhos.

Zé Esteves disse...

é como disse o João Mário, para além do prato, a contextualização é um dos pontos fortíssimos deste blog. Mais uma receita para fazer ASAP. :) obrigado!