quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Bifanas de Vendas Novas



                    Ignoradas em geral pelos nossos “gastrónomos” mais elitistas e patetas*, que as olham com desdém afectado, dos cumes irreais das suas altas cozinhas ou cozinhas de museu, como assunto irrelevante, as sanduíches são, na sua simplicidade desarmante, as rainhas incontestadas da “street food” que, como muito bem notou Maurício Barra, está nos antípodas da fast-food e é o espelho do modo como hoje se interpretam, popularmente, os sabores tradicionais de cada país e cultura.
Quando nos referimos a uma sanduíche, estamos, basicamente, a dizer de algo que se comeu dentro de pão e que pode ir do mais simples e prosaico papo-seco com manteiga à mais elaborada francesinha, aos requintados canapés, às sanduíches de leitão quente, às bolas e folares da nossa tradição, o mundo interminável das tostas, das sanduíche-refeição, dos pregos, cachorros e, claro, as bifanas.
Não podia ter calhado melhor tema para esta 92ª Trilogia com a Ana e o Amândio, “sanduíches”, a possibilitar-me, já que estou de férias bem perto de lá, uma incursão profunda nesse fenómeno etno-gastronómico que foi, há já três décadas, o nascimento obscuro, pela mão de Manuel Isabel, das hoje célebres Bifanas de Vendas Novas, já com direito a franchising e denominação registada pelo Município!
A excelência das bifanas de Vendas Novas é conseguida por um encadeado de factores e não por uma receita mirabolante. De facto, os temperos até são banais e os esperados da tradição alentejana; mais do que isso, o que Manuel Isabel inventou quando quis diferenciar as suas bifanas das demais, foi afinal uma aposta intransigente na qualidade do lombo usado e na maneira sui generis de prepará-lo, como ficou bem evidente da visita surpresa que o Sr. Manuel, dono do Café A Chaminé
me proporcionou à sua cozinha, em plena azáfama, onde se fazem aquelas que na minha opinião serão talvez, actualmente, as melhores bifanas de Vendas Novas.

Ingredientes:

Lombo de porco
Alhos
Sal e pimenta
Pimentão doce ou massa de pimentão
Louro
Vinho branco
Vinagre
Banha ou margarina
Pão

Preparação:

O que primeiro salta à vista numa bifana de Vendas Novas é a sua finura, algo comparável a uma fatia de fiambre. Este é um aspecto fulcral para o seu êxito e obtém-se através do exaustivo bater** de um bife de lombo com cerca de 125g ou um dedo de espessura, depois de lhe retirar a pele que normalmente os envolve.
Bata cada bife do lombo com um martelo de bicos, de ambos os lados, até que se transforme numa grande rodela finíssima.
 Tempere cada bifana batida, numa tigela ou prato fundo, com sal, pimenta, alho picado, um toque apenas de pimentão em pó ou em massa, quase nada, e o louro em pedaços.

Vá salpicando  com o vinho branco e vinagre e deixe tomar sabores por algumas horas. 
Na hora de fazer a sua bifana, irá por fim aparecer a grande diferença entre uma bifana de Vendas Novas feita em casa e a mesma feita numa cozinha comercial a elas dedicada. Enquanto que em casa a bifana terá que fazer o seu molho, na cozinha que está permanentemente a fritar bifanas, existe já um molho cheio de sabor onde ela é apenas lentamente “confitada” e isto faz realmente toda a diferença.
Em Vendas Novas as bifanas são feitas numa frigideira especial em que podem ser feitas seis bifanas de cada vez, como esta, do Café A Chaminé,
onde as bifanas são introduzidas neste “lago” de molho das suas antecessoras, composto por banha ou margarina e sucos caramelizados que vão sendo desglaçados com pequenas adições de vinho branco.
Em nossa casa não temos essa vantagem do molho prévio e por isso vamos ter de fazê-lo:
Aqueça bem uma colher de sopa de banha ou margarina numa frigideira e frite nela, dos dois lados e em lume forte, a bifana sem alhos ou louro, o que acontece em segundos, dada a pouca espessura da carne. 
Se tiver mais bifanas, vá-as fritando uma de cada vez, juntando mais um pouco de gordura e, no fim, um pouquinho de vinho branco para desglaçar os sucos caramelizados e formar assim o molho onde irão por momentos fervinhar todas as bifanas.
Sirva-as numa carcaça aberta, previamente tostada no forno.
Notas:


*Quem me lê com regularidade, nota por vezes algum azedume da minha parte em relação a uma certa gastronomia portuguesa e tem razão.
Impõe-se por isso uma clarificação até para que não subsistam mal-entendidos, já que eu prezo muito e tenho até por amigos, grandes gastrónomos portugueses.
Estes outros gastrónomos a que chamo elitistas e patetas são aqueles que,  acham que a gastronomia não trata daquilo que se come mas sim daquilo que eles acham que se deve comer e fica aqui prometido para Setembro um post sobre o que penso do assunto.

** A operação de bater é insubstituível, nomeadamente pelo truque fácil de semi-congelar a carne e cortá-la depois na fiambreira. Foi tentado por alguns mais “despachados”, com resultados decepcionantes.

3 comentários:

Pi : ) disse...

Caro Luis, gosto muito deste seu blog e sendo eu uma alentejana eborense, não posso deixar de expressar o meu contentamento ao ler esta sua mensagem!

anna disse...

É mesmo verdade que uma bifana frita «naquele molho» sabe pela vida... que boas estas!!!
Beijos.

Belocas disse...

São as minhas bifanas preferidas.
Sempre que passo a Vendas Novas é paragem obrigatória.
(Nem vou reparar nessa gordura toda... )
Um abraço