domingo, 30 de junho de 2013

Hungria à mesa

           Foi uma semana boa, estas férias na Hungria onde pude mergulhar numa cozinha antiga, sedutora e nova para mim, desde a comida popular de bairros e mercados à cozinha assinada, o reino dos goulash, dos foie-gras, das paprikas e do "açafrão" húngaro que, afinal, é a nossa bem conhecida açafroa alentejana ou açaflor nos Açores.
















O Outras Comidas, como é hábito, vai entrar em modo de férias durante os meses de Julho e Agosto, abandonando a periodicidade habitual de publicação, mantendo no entanto a participação nas Trilogias, às Quartas-Feiras, com a Ana e o Amândio.
A todos os visitantes e leitores habituais do Outras Comidas, os meus votos de Boas Férias!

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Ginjinha

              Ginjinha é o nome que damos a um licor muito popular e de tradição assente entre nós, sendo que além das tascas lisboetas especializadas na sua venda a cálice (não é bem cálice, é mais um copito, às vezes de chocolate, moda recente…) com ou sem “elas”, algumas terras têm também as suas ginjinhas afamadas, como Óbidos ou Alcobaça. Mas se essas ginjinhas industriais podem ser um bom motivo para passar um bom tempo de brincadeira com amigos, para quem goste a sério do prazer de um licor de ginja, não há mesmo como a ginjinha feita em casa, sem pressas, que nisto de bebidas não há como o tempo para fazer o grande trabalho.
A ginja é um fruto de forma aparentada com a cereja e que cresce num arbusto quase bravio, sendo por isso muito sujeita às disposições da natureza e à voracidade de certos pássaros que as devoram, havendo por vezes anos em que mal aparece à venda e então caríssima, pela raridade. Este ano, no entanto, parece ter sido um ano excepcional para a ginja, que tem aparecido abundante pelos mercados e é por isso uma excelente oportunidade para fazer a sua própria ginjinha. Não se arrependerá.
Faça bem mais do que aquela que pensa consumir; a ginjinha continua a melhorar ano após ano e hoje, guardo, além de muitas que fiz depois, ao longo dos anos, uma ginjinha que a minha mãe fez em 1964, tinha eu nove anos, que está absolutamente deslumbrante. É dela a receita que sempre segui e que hoje aqui deixo. Uma última nota: as ginjas têm uma época curta e definida, pelo que terá, no máximo, mais uma semana se quiser tentar a aventura.

Ingredientes (para 1 litro de ginjinha):

400g de ginjas
250g de açúcar
2 paus de canela (4g)
Álcool a 60º (ou a aguardente mais forte que encontrar) q.b.p. 1 litro

Preparação:

Existem vários tipos de ginja, sendo que uma chamada “de folha”, por ter uma folhinha agarrada ao pé é das que faz o licor mais escuro. No entanto todas as outras são idênticas quanto ao sabor final, embora o licor fique mais claro.
Corte o pé junto ao fruto,
rejeitando aqueles que estejam já separados do pé ou com qualquer mazela, pese as ginjas e introduza-as numa garrafa de litro (usei dessas que se compram com polpa de tomate).
Com o auxílio de um funil largo e bem seco, faça então escorrer para a garrafa o açúcar e os paus de canela e, por fim, o álcool.
Em relação ao álcool levantam-se normalmente algumas questões: se bem que as ginjinhas feitas com aguardentes bagaceiras fiquem excelentes de sabor, o certo é que a sua conservação e envelhecimento ficam algo comprometidos pois é quase impossível encontrar uma aguardente com mais de 40º, sendo até ilegal (embora eu pense que existe uma aguardente de cana na Madeira, a “Branquinha”, que tem, ou teve, uma apresentação a 60º, usada na poncha). O ideal seria até usar aguardente de vinho, não de bagaço, mas isso é mesmo inacessível pelo que é melhor esquecer. Eu uso o álcool (de qualidade alimentar) que se vende na farmácia em frascos de 250ml muito parecidos com os de álcool sanitário, excepto no preço, que é vergonhosamente alto, mas é o que temos. Este álcool é a 96º e pode baixá-lo para os 60º, juntando-lhe 45% do seu volume, em água. Um frasco dá para um litro de ginja.
Ao pôr o álcool, o açúcar é arrastado para o fundo e fica com este aspecto.
Deverá ir virando a garrafa durante dois ou três dias, sendo que à medida que o açúcar se vai dissolvendo e, portanto, a densidade do líquido vai aumentando, parte das ginjas começam a migrar para a parte alta da garrafa.
Continue a virar a garrafa quando passar por ela até que, cerca de três dias depois, todo o açúcar está dissolvido e todas as ginjas estão agora junto ao gargalo.
O seu trabalho terminou, dê agora lugar ao trabalho do tempo.
Guarde as garrafas num local escuro e sossegado e deixe até Junho do próximo ano. Durante este ano, o álcool e o açúcar irão fazendo o seu trabalho e as ginjas voltarâo por fim, de novo, ao fundo da garrafa. Estará na altura de fazer a sua ginjinha de 2014 e abrir a que agora fez.
Prometo mostrar-vos o resultado desta, daqui a um ano.


Escalar um Peixe (Rascasso)


                 Escalar um peixe consiste em abri-lo de forma incompleta pela face ventral, permitindo uma redução da sua altura no momento de grelhar, única situação culinária em que esta operação se justifica, sendo que a outra, a preparação para salga e secagem é de âmbito profissional, como é feito para o bacalhau quando é salgado.
A prática nasceu nos grandes restaurantes de peixe, para conseguir grelhar com a suficiente rapidez que um grelhado de peixe exige, peixes inteiros com pelo menos 0,8kg que, não fora o escalado, teriam de ficar tanto tempo sobre o carvão que a parte exterior ficaria dessecada. Como tantas vezes acontece, as modas pegam pela aparência sem se cuidar de compreender a essência e hoje, não há tasca suburbana que não apresente um carapau, um robalito de duzentos e cinquenta gramas ou até uma dourada de viveiro, orgulhosamente “escalados”, secos e fibrosos como só um peixe pode ficar quando é mal cozinhado. E escalar um peixe de trezentos gramas, que precisa de ficar o mais possível fechado para conservar os seus sucos perante o calor é, objectivamente, cozinhá-lo mal!
Só escalo peixes grandes e foi o caso deste rascasso que acusava na balança uns gramas acima de um quilo, o que o tornava ideal para grelhar para duas pessoas, escalado para que pudesse conservar a firmeza e humidade da sua magnífica carne após um grelhado rápido no carvão, mostrando maravilha que é o rascasso e porque foi o escolhido por Arzak para o seu lendário “pastel de krabarroka”.

Ingredientes:

Rascasso
Sal e pimenta
Azeite refinado
Azeite virgem, extra.

Preparação:

Peça no mercado para aparar e eviscerar o peixe mas para conservar as escamas.
Reserve para si a operação de escalar, única maneira de assegurar que fica feita a contento. Vire o peixe com a face ventral para cima, acabe de abrir a entrecha de modo a ver toda a cavidade e insira uma faca muito afiada no ponto em que acabam as costelas.
Siga a linha da espinha até à cauda, em diversas passagens cada vez mais profundas mas sem atingira pele do dorso. Deve parar quando encontrar a linha de espinha das barbatanas dorsais.
Prolongue então o golpe na direcção da cabeça, cortando uma a uma as espinhas da barriga.
Abra por fim a cabeça em duas partes, tempere com sal e pimenta moída na altura, passe um fio de azeite refinado pelos dois lados do peixe, pele e carne e deixe no frio por uma hora.
Faça um lume de carvão bem aceso e deite nele o peixe aberto com a pele para baixo.
Ao fim de cerca de dez minutos (depende de muitos factores) vire então a carne para baixo e deixe mais cinco minutos.
Sirva logo com o acompanhamento que quiser, com um fio de azeite virgem extra.
 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Papas de Carolo com Grelos e Porco



                 As polentas, por cá conhecidas por papas de milho, ou de carolo se a farinha usada for da grossa, são pratos admiráveis que, depois de um período áureo em que eram presença assídua e às vezes única nas mesas pobres, passaram por uma época de nojo e depois por uma ressurreição que, infelizmente, não correu bem.
Depois de um “salto” de uma geração inteira em que o milho foi abandonado, quem o recuperou esqueceu os velhos gestos e encarou a farinha de milho como qualquer outro cereal quanto a processos de cozedura, o que foi um erro crasso e de resultados fatais no sabor final de umas papas.
Hoje, a indicação que aparece em qualquer receita de polenta, papas ou xerém indica-as como pratos de confecção rápida, feitos com uma relação entre milho e água em que este abunda e aquela escasseia, e que estão prontos quando a mistura engrossa.
Ora o milho é um cereal com tempos próprios e que não se compadece com pressas; não se trata de não cozer, pois até “coze” em minutos, trata-se de não libertar a plenitude voluptuosa do seu sabor. Quarenta e cinco minutos para a farinha fina, entre uma hora e uma hora e meia para os carolos (farinhas mais grossas, como areia) é o mínimo que o milho exige para se mostrar em toda a sua glória.
Este prato que vos apresento para o tema “polenta” desta 138ª Trilogia com a Ana e o Amândio, foi criado a partir de dois pratos da Beira Alta, os “carolos” e as “papas laberças” e é daqueles que demoram a fazer mas nunca mais esquecem.

Ingredientes:

125g de carolo de milho amarelo
1 litro de água
Sal
Toucinho entremeado
Chouriço de carne
Banha de porco
Alhos
Grelos

Preparação:

Coza os grelos em água e sal, escorra e reserve.
Misture o carolo em água fria e leve ao lume, com sal; se estiver a usar farinha de milho fina, comece por desfazer bem a farinha num pouco da água pois forma facilmente grumos.
Deixe ferver, baixe o lume e vá mexendo a intervalos curtos para evitar que queime. À medida que a cozedura avança, a polenta vai engrossando, podendo ser necessária a adição de mais água. Ao fim de cerca de uma hora está cozida.
Entretanto, frite num pouco de banha (ou azeite) o toucinho cortado em fatias finas 
e, depois, o chouriço também partido e os dentes de alho esmagados. 
Frite tudo mais um pouco e deite o pingue formado sobre a polenta. Mexa bem para incorporar.
Junte então os grelos cozidos, envolva bem 
e sirva bem quente, com as carnes em cima.
  

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Courgettes Redondas Recheadas


                   São courgettes, sabem a courgette, mas têm este aspecto redondinho, compacto e de tamanho “individual” que faz com que pareçam ter sido feitas para serem recheadas.
 Produzidas por holandeses por métodos selectivos (não por manipulação genética) estas courgettes são ainda novidade e não existem em todos os supermercados, mas a sua apetência natural para serem recheadas, as baixíssimas calorias deste fruto (17Cal./100g) e a versatilidade que apresentam para refeições leves, saudáveis e apropriadas à estação quente, conquistaram-me e são agora presença assídua na minha mesa.

Ingredientes (2 pessoas):

2 courgettes redondas
1 hamburguer de vaca
2 dentes de alho
1 cebola média
1 fatia de pimento verde
1 fatia de ananás
sal e pimenta
Açafrão das Índias (cúrcuma)
1 c.sopa de azeite
1 chávena de arroz cozido

Preparação:

Lave as courgettes e corte-lhes uma tampa. 
Com o auxílio de um vazador apropriado ou de uma simples colher de bordo fino, escave o interior da courgette 
de modo a deixar todo em volta uma espessura de cerca de um centímetro. 
Desfaça um hambúrguer de carne magra de vaca num pouco de vinho branco e tempere com sal, pimenta e alho esmagado.
Frite numa colher de sopa de azeite e junte depois o interior que retirou à courgette, o ananás, a cebola e o pimento, tudo picado fino. 
Deixe cozinhar até que perca a maior parte da água e recomece a fritar. Junte então o arroz cozido,
 misture, rectifique sal e recheie as courgettes com esta mistura. 
Leve a forno bem quente (220-240ºC) durante o tempo necessário a que a casca se apresente tostada, o que acontece em 10-15 minutos.
Sirva bem quente.


quarta-feira, 19 de junho de 2013

Massa Inclusa com Molho de Rúcula



                O mundo das massas é um manancial infinito de possibilidades e variações aos temas básicos que herdámos dos incontestados mestres italianos desta maravilha de trigo e, se as massas secas são um dos alimentos mais versáteis na cozinha, já a massa fresca presta-se a deixarmos correr a criatividade e a imaginação, pois controlamos todo o processo, desde o início.
Situadas na classe da pasta ripiena, ou massas recheadas, como os ravioli ou tortellini, as massas inclusas caracterizam-se por terem o seu recheio, normalmente seco e espalmado, incorporado na própria massa e não numa cavidade. As ervas aromáticas, especiarias ou fatias finíssimas de charcutaria ou conservas de sabor muito forte, são ideais para rechear massa inclusa, que hoje aqui deixo como sugestão para refeições ou entradas nesta 137ª Trilogia com o Amândio e a Ana e onde o tema "massas” é rei.

Ingredientes:

220g de farinha
2 ovos
sal
1 c.sopa de azeite
Hortelã
Tomilho
Pimenta em grão
Coentros
Salsa
Anchova
Estames de açafrão, etc.

1 c.sopa de manteiga
1 c.sobremesa de farinha
1 dente de alho esmagado
Noz moscada
Sal e pimenta
Leite e nata, q.b.
Rúcula selvagem

Preparação:

Misture os ingredientes da massa fresca ( farinha, ovos, sal e azeite) 
e amasse até obter uma massa dura mas homogénea; as quantidades são apenas indicativas e devem ser ajustadas ao resultado esperado e não o contrário. 
Deixe descansar por uma hora, fechada num recipiente para não secar por fora.
Estenda pedaços desta massa com o rolo (ou máquina de estender massa, se tiver) em tiras 
e disponha sobre metade de cada tira aquilo que quiser que fique incluso na massa.
Usei hortelã, coentros, tomilho fresco e pimenta preta esmagada.

Humedeça com um pincel a metade da tira que está livre, dobre-a sobre os recheios,
passe o rolo para colar bem os dois folhetos e corte cada unidade com uma carretilha ou corta-massa.

Coza em água com sal e escorra quando estiver a seu gosto.
Sirva com um molho de rúcula e nata, que se faz derretendo meia noz de manteiga, temperada com pimenta e noz moscada e um alho esmagado a que se adiciona a farinha, que se deixa cozer na manteiga sem a deixar escurecer. Junte leite mexendo sempre de modo  a fazer um creme com a consistência de um bechamel. Duplique o volume do creme adicionando natas de soja (ou de leite, se não se importar com calorias e colesterol), a salsa picada, sal e, por fim, um molho de rúcula cortada grosseiramente.